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Desilusões e revoluções

Governo. Há cerca de um ano escrevi nas páginas deste jornal que ainda não tinha percebido se o governo tinha ou não um projecto. Hoje já não tenho dúvidas: não tem. O que sobra em agitação e fogo de artifício falta em serenidade e ideias. Está visto que, em Portugal, transformar gestores de bancos, de “supermercados” e de negócios afins em ministros não resulta. O espectáculo chega a ser penoso. Percebe-se que naqueles cérebros não rolam quaisquer ideias ou soluções para os problemas e a sua falta de sensibilidade política é de bradar aos céus. O caso da ministra Ferreira Leite é paradigmático. A senhora embrulhou-se completamente com o défice e já não consegue disfarçar o desespero e a impotência para conter o “monstro” orçamental. Coitada. Ela bem se esforça, mas manifestamente está desorientada de todo. Só assim se percebe que tenha considerado de “estúpida” uma medida por ela tomada anteriormente. Estamos entregues à bicharada mas quem se vai lixar somos nós.

A revolução dos transportes. Encolheu o mundo. Facilitou a circulação de mercadorias e, principalmente, de ideias. Numa palavra, contribuiu para a abertura das sociedades. Mas não há bela sem senão. Um amigo explicava-me esta semana este “senão”. Antigamente, os jovens iam para universidades localizadas nos grandes centros e só iam a casa dos pais uma vez por outra, porque os transportes eram morosos. Hoje, não. Todas as sextas-feiras rumam para a aldeia ou povoação de onde um dia saíram. Isto tem consequências. Antes, mesmo que com pouca frequência, ainda iam a uma exposição ou outra, ao teatro, ao cinema e, pelo menos, aproveitavam os fins-de-semana para dar umas voltas e conhecer “outros mundos”. Agora, não. A semana é passada supostamente entre as aulas e os bares e discotecas. Os horizontes culturais não se expandem e os alunos saem do ensino superior quase tão provincianos como quando lá chegaram. O cúmulo é quando são as próprias universidades a abrir pólos em pequenas vilas. Muitos jovens nascem e vivem quase sem conhecer nada do mundo que está para além do seu quintal.

É por isso cada vez mais frequente ver jovens licenciadas perdidamente apaixonadas por mecânicos ou canalizadores. Nada contra, mas também nada que nos deva surpreender. No fundo, no fundo, continuam todos a viver no mesmo mundo pequeno e fechado.

Uma nota. Um amigo telefonou-me há umas semanas para me chamar atenção sobre um texto que eu escrevi sobre a revista The Economist, onde fazia a apologia do liberalismo. Dizia-me ele: Ó Zé Carlos, mas será possível que tu acredites mesmo na mão-invisível de que falava o Adam Smith, em que as pessoas perseguindo os seus interesses pessoais contribuem inadvertidamente para um bom resultado colectivo? Vamos lá ver, qualquer autor liberal reconhece a necessidade de leis que regulem os mercados; por outras palavras, deve haver um Estado regulador. O mercado deve servir para fazer trocas e não para roubos e corrupções. Deve-se obviamente proteger as pessoas honestas e punir os infractores. Porque, caso contrário, ficaríamos, mais cedo ou mais tarde, entregues a máfias e a outras associações pouco recomendáveis. Seria a selva e o salve-se quem puder. Os liberais são optimistas mas não são parvos!

Por: José Carlos Alexandre

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