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Desertificação

Editorial

1. Infelizmente, a cerimónia de entrega das 24 medidas sugeridas pelo Movimento pelo Interior foi completamente silenciada pela crise no Sporting. Pelo menos em termos mediáticos – aliás, tudo o que ocorreu em Portugal durante essa semana foi emudecido pelo ruído à volta das insanidades de Bruno de Carvalho.

Naturalmente que podemos presumir que os objetivos do Movimento foram cumpridos, com a entrega do relatório ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, mas, muito para além do ato e da feira de vaidades associada, há um espectro comunicacional essencial para impactar a sociedade e conquistar a opinião pública. O Movimento pelo Interior fez o seu caminho, conquistou a simpatia dos poderes e, ainda que a opinião pública tenha sido desviada para os desvarios do futebol, esperemos que o governo analise as medidas propostas e medite na sua implementação.

A sugestão de deslocalização de 25 serviços públicos com mais de cem trabalhadores é, indubitavelmente, a mais relevante das medidas defendidas e a mais significativa em termos de impacto na mudança de paradigma em relação à coesão territorial. É também a mais ambiciosa e marcante do pacote, a única verdadeiramente nova, e a que receberá maior oposição se for considerada e houver a tentativa de a implementar (recorde-se a oposição que se seguiu ao anúncio da deslocalização do Infarmed de Lisboa para o Porto). Como sabemos, ninguém se recorda das muitas deslocalizações que sucederam ao longo de anos da “província” para Lisboa – os muitos serviços administrativos que foram encerrados, as direções distritais, os departamentos públicos, etc., com a transferência de trabalhadores deixando atrás o vazio.

Muitas das medidas reivindicadas já estão parcialmente plasmadas, ainda que de forma menos ambiciosa, desde 2017 no Programa Nacional para a Coesão Territorial (PNCT). Aliás, é curioso que por estes dias tenha sido revelado o balanço do PNCT com a asseveração de que foram concretizadas 74 por cento das 164 medidas nele insertas (as medidas definidas no contexto da Unidade de Missão para o Interior). O governo faz esta contabilidade positiva com o contributo para a coesão territorial por ter reaberto 20 tribunais e 43 juízos de proximidade ou a manutenção de 400 turmas com menos de 21 alunos. Tudo isto é relevante e pode contribuir para a estancagem da sangria demográfica e a desertificação do interior (e antes que alguns pataratas repitam que não é correto dizer desertificação, recorrer à definição do Dicionário da Porto Editora para deserto: «… região desabitada; lugar despovoado ou pouco frequentado; ermo; solitário; em que não vive gente; despovoado; abandonado»), mas é preciso muito mais. É preciso exigir a redução dos custos de contexto, porque uma empresa no interior está mais longe dos mercados, tem de pagar as portagens mais caras do país, e tem custos acrescidos em relação às concorrentes no litoral.

Muitos dos milhões que Portugal recebeu da Europa para a promoção da coesão territorial foram desviados para Lisboa com o argumento de que investindo em Lisboa haveria em consequência desenvolvimento nas demais regiões. Não houve! Desta forma, canibalizou-se o desenvolvimento regional, num assalto ao país para benefício de Lisboa. Agora, é tempo de se fazerem as contas e exigir a mudança de paradigma, para salvar o país e construir um novo Portugal, onde caibam todos, e todos possamos acreditar que há futuro nas nossas aldeias, vilas e cidades.

2. Prestar homenagem a António Arnaut que será para sempre recordado como o “pai” do Serviço Nacional de Saúde, porventura, com a democracia, a mais importante conquista de Abril: o direito universal à saúde, geral e gratuíta ou «tendencialmente gratuita».

E lamentar o desaparecimento de Júlio Pomar, uma das maiores e mais míticas figuras da arte portuguesa. Júlio Pomar foi um artista com uma enorme relevância nas artes portuguesas do século XX, que deixa um espólio extraordinário e diverso – por estes dias podemos ver algumas das suas obras no Museu do Côa, em Foz Côa.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
V.C. nobrevazmarie@gmail.com
Comentário:
TRISTE realidade , Portugal é Lisboa , o resto do pessoal que se amanhe ! Não acredito nos políticos deste país , não veem mais longe do que o próprio nariz.O interior só serve para pagar impostos e votar.Se conseguirem algo com este processo,estão duplamente de parabéns.
 
Antônio Amaro Amaro.toze@gmail.com
Comentário:
O que sugiro é que se concretizem algumas das medidas anunciadas ainda ontem no programa TV “Prós e Contras”….
 
João Carlos joaocarlos15@sapo.pt
Comentário:
Quando se fala em desertificação,pergunto ao nosso Presidente o bloqueamento a muitos jovens de processos de construção na CM da Guarda que ali se encontram parados há anos para quem aposta viver na província, se isso não é uma medida para aumentar a desertificação.
 

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