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Desenvolvimento de um medicamento

Mitocôndrias e Quasares

Richard Kuhn, Prémio Nobel da Química, em 1938, quando da celebração do 75º aniversário da Sociedade Farmacêutica Alemã, iniciou com estas palavras a conferência que pronunciou em Berlim: «Conta-se que um interno da Universidade de Zurique, em meados dos anos vinte, teve uma doente que sofria de diabetes. Pôde ajudá-la a levar uma vida praticamente normal, graças à insulina que tinha descoberto pouco tempo antes. Em meados da década dos anos trinta, esse mesmo doente foi um dos primeiros doentes que conseguiu sobreviver, na clínica desse interno, a uma pneumonia grave, graças a uma sulfamida. Depois da II Guerra Mundial, padeceu de uma anemia perniciosa que pôde ser controlada com a ajuda da vitamina B12 que, naquela época, começava ser administrada de forma pura. Se essa mesma pessoa se visse agora afetada por um tumor maligno, a sua esperança de cura seria bastante menor».

Esta história – provavelmente inventada – expõe claramente os êxitos extraordinários que a farmacologia conheceu nas últimas décadas. Doenças que até, há muito tempo, levavam a um desenlace fatal numa elevada percentagem – basta pensar, por exemplo, nas doenças infeciosas –, hoje em dia têm cura graças a determinados medicamentos. Apesar destas conquistas indiscutíveis, tanto os especialistas como a opinião pública, questionam-se até que ponto são bons e, sobretudo, inócuos, os medicamentos atuais. Ao mesmo tempo que se solicita um controlo mais rigoroso dos mesmos por parte do Estado, exigem-se ensaios mais precisos e de maior duração, e postula-se o desenvolvimento de fármacos absolutamente inócuos. Uma tal atitude passa por alto, não obstante, um fato fundamental: «Quando se afirma que uma substância carece de efeitos secundários, imediatamente se levanta a suspeita de que também não tem nenhum efeito principal». Esta frase do farmacologista alemão Gustav Kuschinski reflete muito bem os problemas que suscita a administração de medicamentos. De acordo com ela, em que muito poucos casos é possível eliminar especificamente um estado patológico por meio de medicamentos, pois, segundo parece, os efeitos secundários, formam parte da essência do mesmo. Como é natural, esta conclusão não exclui a procura de fármacos mais eficazes e com menos efeitos secundarias, mas se se põem demasiados entraves à investigação farmacológica, as possibilidades de descobrir um medicamento realmente novo são cada vez menores.

Feodor Lynen, Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 1964, diz a este respeito: «Em nenhum outro ramo da ciência o êxito depende tanto da combinação eficaz da sistemática, da intuição e da correta interpretação das casualidades como na investigação farmacológica. Numa época em que a procura de segurança adquire uma importância cada vez maior, não deveria esquecer-se que a introdução de certos medicamentos constitui um passo decisivo. Se os critérios atuais em matéria de segurança tivessem sido aplicados anteriormente, muitos dos medicamentos cuja eficácia e inocuidade têm sido autorizados pela experiência, nunca teriam saído dos laboratórios. A esta categoria pertencem, por exemplo, o ácido acetilsalicílico (aspirina), a cortisona, a insulina, a penicilina e as tetraciclinas, substâncias demonstradas como sendo teratogénicas (causadoras de malformações em fetos) em experiências com animais». Quando estas substâncias foram introduzidas na farmacoterapia, não era habitual estudar o seu possível efeito nocivo sobre seres “não nascidos”, mas quem se atreveria hoje a correr o risco da experiência clínica de um medicamento do qual se conhecem os seus efeitos teratogénicos em animais?

Uma das perguntas que a opinião pública formula com mais frequência diz respeito à necessidade de continuar a lançar novas substâncias. Na próxima edição iremos procurar responder a esta questão.

Por: António Costa

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