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Descentralização

Vox Populi

O processo de regionalização imposto a partir de Lisboa, teve o resultado de todos conhecido.

O recente processo de descentralização, baseado na livre associação de municipios, que se dizia de baixo para cima, e que parecia ser uma reforma por todos desejada, está (estará?) no mínimo suspenso. Será mais uma vez a aplicação prática de um mau princípio político “o que o velho poder tentou fazer, deve ser repudiado pelo novo poder”?

É verdade que o processo que levou às áreas metropolitanas, comunidades urbanas e intermunicipais, não foi o mais feliz no que respeita às razões invocadas para as várias opções tomadas. A ultima explicação que ouvimos é eloquente quanto baste para demonstrar o que afirmamos: “nunca vi que um conjunto de pobres, só porque se associam, fiquem ricos” explicação dada pelo Dr. Álvaro Amaro sobre a opção de Gouveia pela área metropolitana de Viseu, apesar de estratégicamente ser “seu desígnio a Serra da Estrela” – entrevista à Radio Altitude, programa Argumentário de 2/03/06.

Ora, julgamos poder afirmar que alguns consensos estão há muito adquiridos, a saber:

1-Temos um Estado central demasiado pesado, com a agravante de tradicionalmente centralizador. Define políticas ora de base “social” e esbanja recursos, ora de base “economicista” e centraliza os mesmos recursos.

2- Temos um Estado que consome práticamente metade da riquesa nacional e acumula, ainda assim, défices que, à luz de qualquer análise económica, não são perpetuáveis no tempo se se pretender fazer crescer sustentadamente a economia, garantindo a convergência com os mais desenvolvidos, objectivo primeiro de quem se associou na Comunidade Europeia.

3-Temos uma economia integrada num espaço aberto, em que a lei é a” livre concorrência”, e onde a tercearização própria das economias mais desenvolvidas, foi no nosso caso demasiado lenta. Não se acompanhou esse inevitável ajustamento, de políticas de reorganização produtiva, em especial no “mundo rural”, que entrou em agonia. É no interior que mais se manifesta este fenómeno com a lenta caminhada para o despovoamento de Aldeias, Vilas e Cidades de menor dimensão.

4-Temos uma organização política centralizadora, em que os chamados “aparelhos ” é quem mais influencia as decisões, já que em eleições ganha quem mais votos consegue fidelizar.

É neste cenário, que temos que olhar a envolvente da gestão autárquica, pelo que não é de estranhar que os presidentes de Cãmara não só não exijam a concretização do processo de descentralização, salvo poucas e honrosas excepções, mas prefiram a chamada política de magistratura de influências como forma de garantir para o seu concelho, o que mal ou bem prometeram realizar, mesmo que sejam a duplicação de investimentos do concelho vizinho.

E as consequências das políticas nacionais, que em nome de princípios de racionalidade económica, de requalificação pedagógica e reestruturação administrativa nos fecham maternidades, tribunais, serviços e escolas e nos reduzem o número de freguesias e até municípios, essas, fingimos que não ouvimos, que não são para já, que estão a ser estudadas e que quando houver coisas mais concretas interviremos.

Não há estratégia mais errada do que, não entendendo as razões do “despovoamento”, se esqueçam princípios e não se exijam processos de descentralização que nos permitam ter pensamentos estratégicos, de visão mais vasta e integradora, que os tradicionais municípios.

A análise fria e pedagógicamente sustentável, permite agora pensar em fechar, 132 escolas no distrito da Guarda, mais 221 em Bragança, 254 em Vila Real e 214 em Viseu – total 821 espaços escolares do primeiro ciclo – e ainda se diz que o nosso maior desafio é o da qualificação.

Agora, e no quadro da eventual alteração da lei das finanças locais, permite-se sustentadamente afirmar, que “não se pode considerar de igual modo uma pequena freguesia do interior com a maior do país – Algueirão-Mem Martins com 100 000 habitantes e 46 000 votantes”. E não importa lembrar, que apenas 0,21% do Orçamento Geral do Estado é que é gasto no funcionamento de 4259 freguesias.

A regra é, onde há pessoas há votos, logo tem que haver recursos.

Não criamos condições para trabalhar em conjunto, tipo rede de cidades pequenas e médias, em que a racionalidade dos investimentos e recursos deveriam ser a nossa opção. As leis da demografia são incontornáveis, mas podemos explorar o fenómeno sociológico que as grandes cidades, em termos absolutos, repelem já mais gente que as áreas rurais mais pobres, criando condições favoraveis à fixação de pessoas e empresas, já que a qualidade de vida existe.

Não deleguemos mais no poder central.Exijamos que a descentralização nos coloque nas mãos, de novo, o nosso destino colectivo. A existência do Comité das Regiões deve incentivar-nos a ser capazes de mobilizar vontades e exigir Descentralização, a todos os niveis.

Por: J. L. Crespo de Carvalho

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