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Depressão, qual depressão?

Pois, Pois

Ao que consta, o ano de 2003 foi para esquecer. Foi um annus horribilis. A intelligentsia indígena decretou que o país mergulhou numa profunda depressão colectiva. Eu confesso que não percebo o diagnóstico. Amigos meus, que sofrem de depressões (algumas crónicas), explicam-me a extrema dificuldade em determinar as causas do seu problema pessoal. Daí a minha perplexidade ao ver os analistas invocarem constantemente o nosso suposto estado depressivo. Ainda por cima, eles até sabem as causas e tudo: o processo da Casa Pia e a recessão económica. Vamos por partes.

Supostamente, as suspeitas de pedofilia de dois apresentadores de televisão, de um político de segunda fila e de meia-dúzia de figuras obscuras deixaram-nos em estado de choque e atiraram-nos para a famigerada depressão. Não vejo como. Que eu saiba, a queda em desgraça dos mais poderosos e famosos sempre deu um especial gozo ao comum dos mortais. Esta verdade é ainda maior neste caso: do tipo, afinal não é só o Zé Povinho que se lixa quando prevarica. Para mais, esta história tem uma enorme vantagem: a análise do sistema judicial veio para a praça pública. Ficámos a saber como é que este realmente funciona e quais são as suas virtudes e, principalmente, as suas falhas. Desde a questão do segredo de justiça, passando pelas escutas telefónicas, até às prisões preventivas, tudo foi discutido. A pressão da opinião pública vai obrigar os políticos a corrigir algumas das aberrações denunciadas da justiça portuguesa – não esquecer que esta é concebida por eles. Sobram as verdadeiras vítimas: as crianças casapianas. Isso sim. Revoltou-me bastante, e com certeza a muitos portugueses, o desleixo e a incompetência das autoridades portuguesas que deveriam zelar por estas crianças abandonadas e desamparadas. Infelizmente, sobre isto já pouco se fala.

Passemos à segunda causa: a crise económica. Ronald Reagan costumava dizer que recessão é quando o nosso vizinho perde o emprego e depressão é quando somos nós a perdê-lo. Uma frase cínica mas verdadeira. O desemprego em Portugal disparou e cifra-se actualmente em 450 mil pessoas. É, sem duvida, um fenómeno preocupante e que pode provocar um enorme sofrimento a quem dele padece. Embora seja extremamente complicado combatê-lo, merece a atenção redobrada dos políticos, dos governantes e da sociedade em geral. Mas, daí a concluir que os portugueses estão deprimidos por causa disso vai uma distância enorme – os recordes das taxas de ocupação na passagem de ano parecem desmentir o discurso dominante.

O país andou durante vários anos a viver acima das suas possibilidades (famílias, bancos, empresas e Estado). Por consequência, a poupança deu lugar ao endividamento. Agora, é necessário fazer um ajustamento e isso por vezes dói. Todavia, estou convencido que, mais trimestre menos trimestre, as coisas vão fatalmente melhorar. Só pode. A situação económica é como os interruptores: ora para cima, ora para baixo.

Bom ano.

Por: José Carlos Alexandre

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