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Depois da Lama, o Pó

Guarda, 2013, Bairro da Senhora dos Remédios. Para se chegar ou sair de lá é preciso dar a volta inteira à cidade, ou então seguir por um caminho de cabras, no meio de pedras, buracos e lama, ou, agora que chegou o sol, pó. Os carros estão imundos, como a roupa que seca nos estendais, como os passeios, as varandas, as casas. Uma obra que deveria ter terminado em meses ameaça prolongar-se pela segunda década do século XXI. Antigamente, chamavam-se obras infindáveis como esta obras de “Santa Engrácia”. Agora, numa época mais dada ao vernáculo que aos santos tradicionais, há já quem fale das obras do “São Raios que os Parta”. Terão razão, que a forma como os trabalhos evoluem está a causar muitos mais danos e incómodos do que os putativos e futuros benefícios da obra prometem. Ainda por cima por algo que vai ficar enterrado, como as canalizações e outras infraestruturas. Perante o actual estado das coisas as pessoas perguntam-se, e perdoem-me outra vez o vernáculo (há limites para a paciência): “era mesmo precisa esta merda?”

Dizem-me que a culpa é dos empreiteiros. Não sei. Recordo períodos em que as obras estiveram paradas, mas não garanto que não houvesse trabalhos noutros lugares da cidade, igualmente importantes. Dizem-me ainda que os prazos de conclusão da obra estão ultrapassados. E não há cláusulas no contrato de empreitada que prevejam sanções contra isso? Se há, porque não são aplicadas? E, sobretudo, porque não há uma explicação pública sobre o que está a acontecer, sobre as razões dos atrasos e sobre a forma como a Câmara Municipal se propõe agir contra os responsáveis?

Uma das aquisições civilizacionais mais importantes é a ideia de que os contratos têm de ser cumpridos. Foi também o laxismo na aplicação deste princípio, incluindo as sucessivas violações dos contratos eleitorais, que nos levaram ao ponto onde agora todos estamos. Se algum dia quisermos que voltem a investir aqui, temos de poder dar garantias de que saberemos honrar a nossa palavra e cumprir as obrigações que assumirmos, sejam elas a de pagarmos as dívidas contraídas ou quaisquer outras, tão simples como concluir o raio de uma empreitada na porra do tempo contratado.

Por: António Ferreira

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