Já aqui tinha mencionado algumas das consequências demográficas, a médio e longo prazo, da preferência de alguns povos asiáticos por filhos do sexo masculino. Essa preferência, agora transformada em escolha pelos avanços da ciência (e já não pelo recurso ao infanticídio), tem levado a uma ruptura do equilíbrio natural entre os sexos. De acordo com os últimos dados haverá hoje, entre a Índia e a China, cerca de 100 milhões de mulheres a menos – ou cem milhões de homens a mais. Estes homens vão ficar celibatários e sem filhos que cuidem deles na velhice (que é, curiosamente, a razão porque nesses povos se querem filhos e não filhas, que é àqueles que por tradição incumbe cuidar dos pais).
Num recente estudo publicado na MIT Press (Bare Branches: Security Implications of Asia’s Surplus Male Population), Valerie M. Hudson and Andrea M. den Boer avisam de uma consequência menos evidente dessa política de controlo selectivo de natalidade: está a criar-se nesses países uma gigantesca reserva de carne para canhão. Milhões e milhões de homens sem família e sexualmente frustrados, que se poderão transformar num exército potencialmente perigoso. Não estamos livres, dizem elas, de que a China, por exemplo, num futuro mais ou menos próximo, se veja tentada a lançá-los numa qualquer guerra para assim matar dois coelhos (ou milhões deles) numa gigantesca cajadada.
A situação não é nova, e é-nos muito mais próxima do que possamos julgar: segundo James L. Boone, antropologista na universidade do Novo México, citado na recensão ao livro de Hudson e Boer em http://chronicle.com, há um precedente histórico no Portugal do século XVI. A instituição do morgadio, que atribuía ao primogénito a totalidade da herança, lançava para a miséria, ou ao menos para uma vida difícil, os segundos e terceiros filhos de muitas casas nobres. Faltando-lhes os meios para se conseguirem casar e constituir família, organizaram-se e pressionaram a Coroa para se lançarem expedições militares ao Norte de África onde esperavam conseguir fama e fortuna. E foi assim que o país se viu envolvido em várias e dispendiosas aventuras, em vidas e recursos. A conquista, entre outras praças, de Alcácer Ceguer, Arzila, Tânger, Azamor, Safim, Mazagão, acabaria por revelar-se precária e sem qualquer interesse.
Até que, uns anos mais tarde, se parte para a derradeira aventura e, em Alcácer Quibir, na batalha que ainda hoje é comemorada em Marrocos, juntamente com o rei fica caída nas areias do deserto boa parte da fina-flor do país – entre primogénitos e cadetes.
Sugestões:
Uma página: Se não tiver tempo para ler um livro inteiro e tiver de escolher uma, mas apenas uma de milhões de páginas disponíveis, leia, ou releia, a primeira de Moby Dick (e já que chegou ao fim, continue).
Um livro: Os Criadores (Daniel J. Boorstin, Gradiva, 2002). Não perca o capítulo sobre Hermann Melville.
Outro livro: Impossibilidade, Os Limites da Ciência e a Ciência dos Limites (John D. Barrow, Bizâncio, 2005). Há coisas que sabemos já serem impossíveis, e delas se trata aqui, numa lista provisória que poderá ter novas entradas – e algumas saídas.
Por: António Ferreira