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Décadas de empobrecimento

Editorial

1. Vítor Gaspar admitiu terça-feira que o ajustamento português irá muito para além do previsto. «Serão necessárias algumas décadas para atingir níveis de endividamento público abaixo dos 60 por cento do PIB previstos no Tratado de Lisboa», assegurou o ministro das Finanças. Podemos interpretar estas palavras da forma que nos der mais jeito, e os analistas já o fizeram, cada um de acordo com a influência partidária ou opção ideológica que preconiza, mas muito para além de qualquer evangelização esta declaração de Gaspar obriga-nos a pressentir mais dificuldades e a assumir definitivamente que Portugal está num verdadeiro buraco, de onde demoraremos décadas a sair. Os senhores que nos governam e os senhores que nos têm governado, todos, construíram a modernidade portuguesa em cima de um verdadeiro pantanal e agora estamos a enterrar-nos no lodo.

O ajustamento rápido que o governo nos prometeu – até meados de 2014, com um regresso aos mercados em setembro de 2013, diminuição da dívida pública em percentagem do PIB, redução do peso do Estado na economia com corte nas gorduras, entre outras medidas que supõem mais sacrifícios, poderão servir para muito pouco.

Quando pensávamos que o pior já tinha passado, chegam mais notícias de agravamento da situação do país.

2. O urso de peluche que Angela Merkel ofereceu a Sarkozy, por ocasião do nascimento da filha do então presidente francês e de Carla Bruni, ficou conhecido por Teddy e foi fabricado em Oleiros, no distrito de Castelo Branco. A Steiff, alemã, instalou a fábrica de peluches na Beira Baixa há cerca de vinte anos sem investir um tostão na construção das instalações, que ficaram a cargo da autarquia, a quem nunca pagou renda e ainda recebeu milhões de apoios comunitários. Durante vinte anos pagou apenas água e luz em Oleiros. E paga os salários, mais de cem, todos os meses (o que não é coisa pouca). Agora, a “mãe” do Teddy quer fugir para o deserto, provavelmente porque da Tunísia acenam com novos apoios e subsídios ao emprego, que por lá ainda é mais barato que no pobre interior português. A Steiff alemã prepara-se para deixar atrás de si um rasto de desemprego e pobreza no Pinhal, enquanto nós ficamos a fazer figura de ursos a ver o Teddy partir.

3. Enquanto se anuncia o “noivado” entre Covilhã e Fundão para a criação de um grande município na Cova da Beira, e num tempo em que o verbo cortar é mais utilizado no investimento que na despesa pública, Carlos Pinto continua a defender a construção do aeroporto da Covilhã. Compreende-se que o assunto deva continuar em “agenda”, mas reivindicar a sua construção no contexto atual é desacertado e inaceitável. Os portugueses estão cansados de obras “emblemáticas” e “estruturantes” que custaram muito dinheiro e que agora servem para pouco ou nada, mas cuja manutenção continua a ser suportada pelos contribuintes. A crise levou a adiar pelo menos por 25 anos o novo aeroporto de Lisboa (que era “muito urgente”!); o TGV essencial e determinante para pôr Portugal no mapa foi esquecido e deu lugar a uma linha de bitola ibérica entre Évora e Madrid; o aeroporto de Beja fundamental para o Alentejo e o país no “plano” de desenvolvimento de Augusto Mateus, continua a ver aterrar os pássaros e pouco mais… como tanta obra que se fez neste retângulo e agora, delapidados os cofres do Estado e gastas as verbas comunitárias, adiam-se e esperam melhores tempos. Ou esquecem-se, porque isto é um país a brincar, mas pobre. O aeroporto da Covilhã também terá que esperar. E muito. A não ser que enquanto escavou o buraco de 84 milhões, a Câmara tenha descoberto uma mina de ouro que não obrigue o cidadão a ter de sofrer mais com tantos impostos para financiar devaneios de governantes e autarcas.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
T. Farias tafcoa@sapo.pt
Comentário:
Prezado Director: Subscrevo inteiramente a sua análise, se me der essa permissão. É pena que os politicos não leiam o que V.Ex ª e outros, ,tenham escrito a esse respeito!Bem pelo contrário, ainda apelidavam os que advertiam para este desgoverno, de fachistas , neo-liberais e outras designações, porventura mais ostensivas.Mediocres na visão, só agora, descobriram, alguns deles, que o que disse o Sr. Ministro das Finanças é a realidade. Não há dinheiro nem crédito para poder sustentar a divida, quanto mais para crescer..Crescer como? Com mais divida?Quem empresta? Preparemo-nos para o segundo resgate e na sequência para o perdão de divida, como aconteceu na Grécia.Não tenhamos ilusões!…
 

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