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De regresso ao Colmeal 52 anos depois

Antiga habitante aceitou o desafio lançado por O INTERIOR para visitar pela primeira vez a sua terra natal desde que foi despejada

Da casa onde Jacinta Carvalho nasceu e viveu até aos 21 anos já só resta parte das paredes exteriores. A aldeia fantasma do Colmeal é toda ela ruína, da igreja que já perdeu o telhado àquele que terá sido um imponente solar, no extremo oposto. «Esta não é a minha terra», reage emocionada a idosa, que, no último sábado, visitou pela primeira vez a aldeia desde os acontecimentos daquela manhã de Julho de 1957 – em que os habitantes foram despejados por uma ordem judicial, num caso único nos anais da justiça portuguesa.

Jacinta Carvalho vive a uns 13 quilómetros do Colmeal, em Castelo Rodrigo, e conseguiu estar 52 anos sem voltar à sua terra natal. Por opção. A sua família, tal como as restantes 12 que aqui moravam em regime de foro, perdeu tudo. Confessa que lhe custa recordar o quanto o pai chorou naquele dia, em que a família se mudou para Castelo Rodrigo, para a casa onde morava já uma irmã, que entretanto ali tinha casado. Foi aqui que recomeçou a sua vida, que também casou e teve três filhos. Começa por responder com um «não sei porquê» quando questionada acerca dos motivos que a levaram a aceitar o convite de O INTERIOR para voltar à aldeia. E emociona-se novamente. Diz que não foi pela recente decisão da Assembleia Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo de criar um grupo de trabalho para averiguar do potencial turístico do Colmeal – baseado na sua história, nas potencialidades ambientais e ainda no facto de por aqui ter morado a mãe de Pedro Álvares Cabral – e nem tão pouco pela possibilidade de vir a recuperar a casa da família. «Para que a quero agora?», questiona.

Jacinta Carvalho não tem planos para a casa. «Não vim cá antes porque tinha medo de me sentir mal», confessa. Veio agora porque, a cada vez que respondia com um “não” aos sucessivos convites de familiares e outros ex-moradores, crescia a curiosidade em saber como estaria a sua pequena aldeia: «Olhe, já não aguentava mais», desabafa.

O ex-habitante que investigou 17 anos o caso

Jacinta Carvalho recorda-se bem do dia do despejo. Conta que foi a mãe que na véspera, numa ida a Figueira Castelo Rodrigo, soube que na manhã seguinte iriam ser despejados. Tudo porque o feitor subarrendatário não pagava a renda há quatro anos àquela que era, de acordo com uma escritura de 1912, a nova e legítima proprietária dos terrenos dos herdeiros dos condes de Belmonte. A mãe da então jovem Jacinta Carvalho apressou-se a regressar à terra para avisar os aldeões. Na altura, Jacinta Carvalho era já a única de seis irmãos a residir ali com os pais. «Tínhamos uma boa seara nesse ano e então passámos a noite toda a tentar levar para Castelo Rodrigo o máximo que conseguíamos», recorda. Com o amanhecer veio o inevitável: 25 praças e três oficiais da GNR irromperam pela aldeia, entraram nas casas, retiraram os pertences dos moradores e colocaram-nos nas proximidades da Quinta Serra, a mais de um quilómetro. «Os nossos bens estavam misturados com os dos outros», conta. A família pegou nos seus pertences e rumou para Castelo Rodrigo. Outras permaneceram por ali até encontrarem um tecto.

«Um errojudicial, matricial e histórico»

Foi o caso de Aires Cruz, outro ex-habitante, que há 17 anos tenta perceber o que diz ter sido «um erro judicial, matricial e histórico». Tinha na altura 9 anos. «Foi muito complicado», lembra. A mãe era uma viúva com cinco filhos para sustentar. A família acabou por fixar-se em Freixeda do Torrão. Agora, Aires Cruz mostra-se algo céptico em relação às recém-anunciadas intenções da autarquia, mas diz que são «boas notícias» e que «já é tempo de ser feita justiça». O antigo residente do Colmeal tem mesmo uma monografia para publicar no próximo ano, onde diz provar que se tratou «de uma apropriação de terras indevida». O Colmeal é sede de freguesia e está provado documentalmente que é paróquia, desde 1940, refere Aires Cruz. «O documento nunca foi apresentado em tribunal, que considerou erradamente o Colmeal como quinta», sustenta. O resultado das suas investigações já o levaram mesmo a escrever ao Presidente da República, Procurador-Geral da República e presidente do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros. Aires Cruz diz esperar agora que a autarquia não se fique pelas intenções.

Jacinta Carvalho não planeia recuperar a casa onde morou

Comentários dos nossos leitores
Aires aires.c.coelho@gmail. com
Comentário:
É tempo de se fazer justiça em Portugal, e se falar verdade ao povo.
 
claudia claudia_coelho@sapo.pt
Comentário:
A verdadeira história do Colmeal tem de ser reposta com justiça e serenidade, pois existem pessoas que podem repor essa verdade que ao longo de décadas têm trabalho em função dessa.
 
Anibal Lopes aniballopes_mora@iol.pt
Comentário:
Sou Alentejo, e conheço bem o que são apropriamentos indevidos. Ao Povo do Colmeal não lhes pode bastar o repor da justiça. Tem que haver punição dos culpados, ou dos herdeiros beneficiados.
 
S. Claudia sandra07claudia@sapo.pt
Comentário:
Depois de tanto tempo, esta situação deveria ser investigada como deve ser. Não é possível deixar passar tanto tempo e os responsáveis por isto ficarem a “rir” depois de despejarem uma aldeia inteira e deixarem tudo ao abandono. A ganância leva a isto! Os nossos governante não fazem nada para reverter este erro da justiça?
 
José Sousa jts.sousa@gmail.com
Comentário:
Ao fim de 52 anos só a verdade interessa, esse grupo de pessoas tem que ter uma imagem digna.
 
Luis Monteiro luis-m-monteiro@netcabo.pt
Comentário:
1- Quem não paga renda durante cinco anos… vai para a rua! 2 -Os rendeiros que não pagavam renda ha mais de cinco anos recorreram para o tribunal de relação do Porto e, obviamente, perderam. 3- Os rendeiros que não pagavam renda ha mais de cinco anos recorreram para o supremo tribunal de justiça e, obviamnete, perderam. 4- O acordão proferido pelo supremo reafirma a Quinta do Colmeal, ou Colmeal das Donas como o ultimo feudo existente em Portugal e a obrigação, obvia, de que os arrendatários… terão que pagar renda. QUEREM A VERDADE? POIS É ESTA! QUEM NÃO PAGA RENDA ACABA POR SER DESPEJADO! DUVIDAS? CONSULTEM OS PROCESSOS QUE DECORRERAM NO TRIBUNAL DE RELAÇÃO E NO SUPREMO. CHEGA DE CHORADINHO SENHOR AIRES E ACABE COM CALUNIAS E MENTIRAS! VOCE SABE A VERDADE, CONSULTOU OS PROCESSOS, ENTÃO PORQUE ANDA A MENTIR E A DETURPAR A VERDADE? TENHA VERGONHA!
 
Luis Monteiro luis-m-monteiro@netcabo.pt
Comentário:
Pois senhor Carlos, se tanto preza a razão, antes de falar… informe-se! Reúna-se de provas antes de fazer acusações absolutamente idióticas. Portanto os proprietários apoderam-se da propriedade de que são… proprietários!? Absurdo ou idiótico, escolha. Vá ao tribunal de Figueira de Castelo Rodrigo ou Pinhel, consulte o processo judicial e informe-se. Todos os que andam, esses sim, em berrarias histéricas em tudo o que é sítio da Internet a passar a imagem dos “desgraçadinhos que foram espoliados pelos proprietários, pelo Estado Novo, etc… etc…” e outras aleivosias do género, deveriam consultar o processo referido onde se encontram todas as provas de facto. Pode ser que, face aos factos, se comecem a comportar com a dignidade que um homem deve ter. Todo esse “choradinho” dos autoproclamados expoliados em volta do Colmeal das Donas recorda-me o “Il bidone”, de Federico Fellini. Senhor Carlos, dê-se ao respeito.
 
Luis Monteiro luis-m-monteiro@netcabo.pt
Comentário:
Bem Senhor Carlos então “Só quem deveria ter sido despejado era a “proprietária” por se ter apoderado do que não lhe pertencia”. Sabe o que significa propriedade privada? Repito… privada? Antes de fazer afirmações grotescas como as que fez, informe-se! O Colmeal sempre foi um feudo antes e depois de 1910, o ultimo feudo Portugues, posteriormente com designação de “quinta” para efeitos legais, escrituras, expropriações efectuadas por Salazar, etc… Quem habita no que não lhe pertence, no que arrenda… paga renda, ou devia pagar. Chega de palavreado, antes de fazer afirmações ocas, vazias, muna-se de factos para não passer vergonha. Passe bem.
 
Luis Monteiro luis-m-monteiro@netcabo.pt
Comentário:
Como é possível que uma zona extremamente rica em história, em biodiversidade, ainda recentemente descobriram pinturas rupestres das mais antigas da europa, como é possível que TODO o Colmeal seja concessionado ao Sr.Paulo Jorge Ramos de Meireles Pereira para explorar como zona de caça turística? Casa dos Cabrais? pinturas rupestres? Falcões? Agora e durante doze anos é matar e partir aquilo tudo a tiro de caçadeira! VERGONHOSO! Aqui vai o link para mais informação… http://www.icnf.pt/portal/caca/ade/dzc/zc/2012/out/despacho-528-2012-zc
 
Carlos xarly2@hotmail.com
Comentário:
Pois, senhor Monteiro Quem não paga renda vai para a rua, a lei etc… Só quem deveria ter sido despejado era a “proprietária” por se ter apoderado do que não lhe pertencia. E escusa de estar aos berros a escrever maiúsculas pois o muito gritar não lhe acrescenta qualquer peso na razão que lhe apraz assistir.
 

De regresso ao Colmeal 52 anos depois

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