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De que medo temos medo?

Diante da chegada maciça dos refugiados, muitos europeus sentem medo. Mas medo do quê ao certo? De uma dificuldade objetiva que requer planos, ação e determinação? De uma mudança previsível mas cujo sentido tem de ser aceite? Do irredutivelmente outro que só pode ser acolhido no seu desconhecimento? Todos estes sim, mas sobretudo vale a pena formular uma quarta hipótese: não sentirão os europeus medo também por viverem hoje assombrados por uma lastimável cultura de medo nas suas vidas por conta da austeridade e da precariedade?

É verdade que entraram na Europa 1 milhão de refugiados em 2015 e que outro milhão de refugiados deverá entrar ao longo do presente ano. Mas, dito de uma maneira franca e direta, o problema não está tanto nesses grandes números como na cultura de medo vigente. Na verdade, dois milhões de refugiados em meio milhar de milhão de europeus não dá mais do que uma média de 1 refugiado por 250 europeus. É uma dificuldade, sem dúvida, é uma mudança que se adivinha, é uma alteridade a dever tornar-se convívio. Mas não pode ser irresoluvelmente um problema de grandeza, a não ser por medo. Há mais de 50 anos, só a França encaixou o êxodo de 900 mil “pied-noirs” vindos da Argélia e do norte de África. Eram franceses, mas poucos conheciam a França. E há 40 anos, um país pobre, economicamente frágil e politicamente instável, com uma população que não ultrapassava os 9 milhões, recebeu e integrou meio milhão de retornados das ex-colónias. Era o nosso país. Hoje, se Portugal seguisse o “ratio” de 1 refugiado para 250 europeus seriam 40 mil os sujeitos da nossa hospitalidade, bem menos do que a sangria que sofremos anualmente de concidadãos obrigados a emigrar e que desejaríamos ver de volta.

Queixamo-nos da Europa, mas nem sequer é verdade que ela reaja de forma homogénea. Uma coisa são as preocupações da Alemanha, que é de longe o país com mais pedidos de asilo, e da Suécia, que de longe é o país com mais pedidos de asilo por habitante. Estes ressentem-se das dificuldades. Outra, bem diferente, são as práticas identitárias e islamofóbicas que vão pontuando em alguns dos países do antigo leste europeu, especialmente a Hungria, mas também na Polónia. Outra ainda são as práticas xenófobas que se vão inscrevendo como “necessidades” no corpo civilizado de países como a França e a Dinamarca, a primeira a retirar a nacionalidade a terroristas mesmo se nascidos e criados em território nacional, a segunda a retirar os bens a quem lhe chega na condição de refugiado. Resta ainda o caso dos que, como nós portugueses, de tudo se queixam, sobre tudo opinam e emitem juízo, mas são quem menos se envolve na ação. A distância deve desculpar-nos tanto quanto a proximidade tem culpado os gregos. Mas falta autoridade prática para censurar a Suécia ou a Alemanha.

Se se quer deter a torrente de refugiados, é certo que estará em causa tornar a parte do mundo de onde estas populações fogem menos hedionda. Mas seria muito desleal repor um equilíbrio fazendo da Europa um lugar hediondo para quem chega a ela na condição de refugiado.

Por: André Barata

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