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Das mortes no Natal à queda da PT (parte 1)

1- A doença principal do método português é a não regulação. Todo o serviço nacional de saúde se baseia num inúmero conjunto de decisões não aferidas, não testadas e sobretudo nunca avaliadas. Comecemos pela ideia de Exclusividade. Médicos, enfermeiros e outros dedicados ao SNS e só a ele auferindo uma remuneração melhorada para este fim. Este princípio condicionou horas extraordinárias milionárias para uns e a peso de uvas passas para outros. O índice remuneratório de uns crescia exponencialmente criando horas extra, prevenções, acrescentos salariais discutíveis baseados na hora de exclusividade. A trabalho igual (prestação em urgência) correspondia salário diferente. A exclusividade foi avaliada por alguém? Os médicos em exclusividade produziram mais ou melhor? O que sabemos é que ganharam principescamente, andando alguns, como na Cardio-Torácica de Coimbra, perto de valores milionários. O famoso Professor Barroso como exemplo de outro caso de ganhos secundários para um serviço público. A verdade é que o SNS não devia ser um espaço de enriquecimento para ninguém, pois se trata de um serviço do Estado para benesse da população. Mas no SNS, com truques, com fantasias discursivas, com ilusões demagógicas de “moderno, único e importante” construíram-se percursos de riqueza e até de fama. Outros, nos mesmos lugares fariam pior? Alguém avaliou?

2- A ideia dos contractos individuais de trabalho e de outros truques de desorçamentação como a criação dos Hospitais EPE’s (empresas público privadas) ou dos Hospitais PPP’s (parcerias público privadas) conduziu à desfiguração das carreiras e das hierarquias. Se por um lado a gestão nunca devia estar acoplada à carreira, não faz qualquer sentido que um Professor e Chefe de Serviço ganhe metade que um Assistente que ele formou. A chefia passou a receber menos que os seus subordinados. Deste modo podiam pagar melhor, mas estava todo o gasto escondido da visão dos supervisores. Quando veio a regulação externa – a troika – reorganizou-se este volume de disparates, mas não se refizeram os contractos e não se remunerou a hierarquia. Claro que isto retira capacidade e motivação. O responsável das decisões é o que menos aufere.

3- A regulação avaliou a performance dos serviços? Estudou-se a morbilidade e a mortalidade? Á medida que criávamos um sistema mais indisciplinado, produzíamos um policiamento cada vez menos eficaz. Criaram uma Inspeção Geral de Atividades em Saúde que nunca sugeriu a demissão de um dirigente. Uma IGAS carregada de deformação política, carregada de desejos mórbidos de silenciar quem se opõem às direções, quem denuncia as irregularidades. Como a opinião pública não cala as enormidades criou-se a ERS (Entidade Reguladora da Saúde) que ficou durante quatro ou cinco anos despida de funções e de quadros, mas cobrava umas taxas aos consultórios e às clínicas. Além destes reguladores temos as Administrações Regionais de Saúde e a ACSS que têm funções de vigilância e de controlo. Em 2007 todos os reguladores inspecionaram o Hospital de Aveiro, mas nenhuma vez desencadearam qualquer ação em Santa Maria, nos HUC ou no S. João. Coincidência? Poderes ocultos? Forças instaladas que decidem sobre o regulador? Os três maiores hospitais gastam mais de 30% de toda a fatia da saúde. Não carecem de investigação?

4- Se os reguladores não avaliam e não atuam, então tudo o que devia ser avaliado não é. Vejamos. Os sistemas biométricos associados a trabalho, como o Alert, podiam aferir o volume de trabalho e não o número de horas que as pessoas despendiam nas urgências. Um tipo pago 24 horas, que não viu nem observou nenhum doente, merece ser pago desse modo? Temos de emitir salários para quem não quer ou se recusa a exercer a função para que é pago? A aferição da eficiência do sistema nunca foi realizada. A aferição do trabalho desenvolvido nunca aconteceu. Quem não trabalha, no SNS é quem nunca tem problemas e é quem mais pode vir a subir para cargos de serventia das direções. Ninguém usou os mecanismos ao dispor para comparar resultados e para tomar conclusões sobre escolhas. A Lei sugeria avaliações trianuais do trabalho dos diretores de serviço. Durante décadas nenhum entregou relatórios das suas funções e não se conhecem demissões por esses motivos. Há algumas exceções gloriosas que acabaram nas mãos tristes da IGAS favorecendo os prevaricadores nas leituras mais enviesadas da realidade e da verdade de que tive memória. Recordo um selvagem que agrediu uma doente numa cama de hospital e acabou ilibado por essa estrutura reguladora. (continua na próxima edição)

Por: Diogo Cabrita

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