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Da banalização do elogio

Sempre houve vaidosos para quem os elogios, geralmente imerecidos, porque a excecionalidade e a genialidade são raras, significam pão para a boca. Ele há vaidosos tão vaidosos que conseguem fazer parecer o simples ato de tomar um café com um antigo colega um evento de importância supranacional só com a arte da divulgação que fazem do mesmo. Antigamente, encontrávamo-los à mesa do café, nos corredores do serviço e na loja da esquina. Nesse tempo, a proximidade com os circunstantes impedia-os de ser tão elogiados quanto achavam que mereciam. Atualmente, na virtualidade das redes sociais, tal pormenor é irrelevante para a florescente atividade dos profissionais da pesporrência.

Neste mercado ninguém está interessado em perceber que, ao impedir a ambição de ultrapassar o tamanho do nosso mundo, assumimos ser medíocres. Ao elogiarmos, ao aceitar que nos elogiem, pequenezes, inviabilizamos qualquer progresso. O elogiado tenderá a transformar-se em estereotipado, facilmente substituível, amarrado à trabalheira de aumentar o número de elogios que lhe fazem através da redistribuição, gerida com todo o cuidado, que deles vai fazendo. E, quem o elogia, vai atrás. Acho que não serve a ninguém reforçar tanto os comportamentos básicos de sobrevivência. Mas pronto, concordando que nem sempre reduzir as pessoas à sua insignificância é o mais acertado, expúnhamos, ao menos, a realidade dos factos em vez de lhes alimentar manias. Seria, por isso, muito bom que quando nos apetecesse elogiar algo, ou alguém, revelássemos mais civismo e honestidade, em vez de pensar só no hipotético retorno do feito. Não que seja caso para deixarmos, do pé para a mão, de elogiar o mero prato de comida que tantos, qual obra de arte capaz de os distinguir dos demais, teimam em fotografar, ou de enaltecer feitos como a candidatura da Guarda a “Capital Europeia da Cultura”. Não.

Eu própria quase que elogiava esta última, lembrei-me foi de que só posso entrar no TMG pelas traseiras, da valorização, exacerbada, da ruralidade e interioridade com que revestiram a coisa e passou-me logo a vontade. Aconteceu-me o mesmo quando quis elogiar a “requalificação urbana” e acabei a lembrar do espaço (onde, se calhar, não ficaria mal de todo um quartel para a GNR) do antigo matadouro… E, no caso da “remodelação” da central de camionagem? Eu à espera de a ver demolida, substituída por uma construção digna do séc. XXI e, afinal, aquilo não passou de uma pintura do mamarracho, ainda que com um remate, a lembrar uma marca de congelados, em cima. Ah! Estava-me a esquecer da Rua do Comércio, também estive para elogiar aquilo. Só que a inutilidade e a estética da coisa, aliada ao desperdício de fundos comunitários, não me deixou, de todo. Há dias, quando tive conhecimento do genial projeto da bancada, fluorescente, no Largo da Misericórdia, voltei a sentir uns ímpetos elogiadores. Então não é que, até aí, senti a boa da impetuosidade tolhida pela deprimente imagem dos escombros à frente da porta principal da Sé!

Por: Fidélia Pissarra

Comentários dos nossos leitores
Paulo Pauloestrololo@hotmail.com
Comentário:
Quem tem um olho é rei, em terra de cegos. Os cidadãos da Guarda têm aquilo que merecem, um forasteiro que reduziu Gouveia a uma aldeia e reduzirá a Guarda a uma pequena vila, abandonada, espoliada e empobrecida.
 

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