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Da Alemanha

A um disparate responde-se: “Foi assim que a Alemanha perdeu a guerra!”. Da Alemanha, dos meus tempos de Liceu, recordo sobretudo as desenvoluções da Reforma, a afixação das 95 teses, de e por Lutero, à porta da Igreja de Vitemberga e a Confissão de Augsburgo. A “matéria” era leccionada pela perspectiva de um católico, o movimento reformista tornava-se, assim, incompreensível e Lutero interpretado como um pobre-diabo. Pelo menos julgo que foi o que me ficou. Da “Guerra dos Trinta Anos” ficou-me um longínquo eco.

Depois vieram as 1ª e 2ª conflagrações mundiais e o nazismo como um labéu que superava todo o inimaginável.

Todavia a Alemanha afirma-se – sempre se afirmou. Neste preciso momento vai superando a incorporação da denominada RDA, é a 3ª potência económica mundial, diplomática e militarmente vai-se crescentemente sentindo no conspecto internacional, do pós-guerra até hoje alguns dos seus políticos tornaram-se nomes absolutamente cimeiros, como, v.g., Adenauer e Kohl. É absolutamente clara a muito alta categoria de Angela Merkel, aliás uma mulher muito linda, com olhos, que mais que a sua superioridade, revelam a beleza da sua alma.

Se os poderes fácticos portugueses (no caso a Universidade, claro) conseguissem estar à altura de entender a cultura germânica era a ela que seguiriam – com a maior das vantagens para Portugal, bem entendido – em vez da cultura de um país que já se considera em decadência, mas que, na realidade, não pode (nunca pôde) ir mais longe que os seus miserandos pontos de partida o permitem. Que pontos de partida? V. g. a felonia feudal,a mascarada versalheana e os deploráveis racionalismo e laicismo com todo o estendal de consequências.

A conexão de Espanha à cultura alemã é uma das razões do espantoso êxito dos nossos vizinhos (baste ler a Revista de Occidente); e os princípios galos aqui impostos, ademais por governos ignaros, explicam a falhada revolução do 25 de Abril, a emigração que não consegue estancar-se, “os portugueses emocial e economicamente desesperados” (Miguel de Sousa, Dica da Semana, 6-09-07), a grosseria que leva, ademais, a que um instrutor de condução emigrado em Espanha, tenha declarado: “Para Portugal nunca mais volto. Em Espanha os alunos são educados”, a grosseria, a atonia económica e etc, etc, etc. Mas não vou continuar por aqui, excepto para declarar que é preciso ser-se muito mentiroso para afirmar a criação de dezenas e dezenas de milhares de empregos quando a sociedade lusa não tem a cultura nem o dinamismo intrínseco que a catapultem. … Mentiroso porque absolutamente ignorante; e pobres até para além do imaginável porque nele votaram.

A Alemanha afirmar-se-à cada vez mais porque no seu mais fundo é tocantemente religiosa. Desde o século XVI duas teologias entraram em confronto e a fé, a ordem, o asseio, o pudor, a energia, a ambição, a singular elevação, refinada educação e primado da ordem seja sobre quem for – tal qual a humildade de entrar dentro de si até ao mais fundo – , bem como o extremo respeito pela Natureza, tudo isso – e não sou exaustivo, claro – mais não são que concreções desse singular confronto.

É tocante passear pela principal rua de Augsburgo e notar que, precisamente na montra de uma livraria, o título de uma obra pergunta se, hoje em dia, ainda faz sentido considerar a diferença entre católicos e luteranos. (O leitor tenha bem presente que foi nessa cidade, precisamente, que, em 1530, foi apresentada ao imperador Carlos V uma síntese doutrinal e disciplinar pelos reformistas).

E a arte alemã é um tão extraordinário, grandioso, testemunho que viajar por certos lugares mas perder a Alemanha é um crasso erro que se comete contra si próprio.

Ficamos absolutamente elucidados sobre a prévia certeza de vitória quando, do jardim, contemplamos o Palácio-Residência do Arcebispo em Vurtzburgo; que, para além do espiríto, nada mais importa quando contemplamos e visitamos, no sul da Baviera, o palácio de Neuschwanstein de Luís II; que não há outro modo de viver excepto com seriedade quando estamos frente à Alte National Galerie em Berlim; que há um sublime encanto absolutamente tangível quando atravessamos as grutas de Linderhof (também de Luís II) ao som de Wagner; que passear pelas avenidas berlinenses nos faz encontrar connosco próprios; que a determinação pelo trabalho e o acautelar devidamente os próprios interesses se nos impõem tranquilamente em Lubeque; que…

E é este grátis e gracisoso fascínio que leva a que, na Alemanha, qualquer um me possa encontrar.

Guarda, 7-IX-07

Por: J. A. Alves Ambrósio

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