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Da Alemanha (VIII)

Uma das supremas questões com que, hodiernamente, a nível mundial, o escol cimeiro se defronta é, tão-só, esta: para que servem as humanidades?; qual o interesse do Humanismo?. (Recorde-se que qualquer espírito menor fala da relevância da Ciência e de só essa valer a pena. O resto… Recorde-se, também, que, perante a massa ignara, incapaz de ver para além do próximo imediato, estes espíritos menores estão especialmente bem cotados pelo que dizem – não se dando, claro, conta de que a ideologia é um mundo infinitamente menor que a Filosofia, a Verdade).

Esta magna, crucial, questão não podia deixar de ter o melhor eco na Alemanha e o semanário Die Zeit (O Tempo), precisamente há um ano (II – 2007) publicou textos de autores em que a não-coincidência de ângulos levou a extremadas afirmações. Diga-se desde já que o Ministério da Educação e Investigação Federal proclamou o transacto ano de “Ano das Ciências Humanas”. Mais. Não é apenas uma questão estritamente circunscrita a pensadores.

Há que afirmar que, durante o debate, se fizeram afirmações como: “as regiões e metrópoles que apresentam um mais rápido desenvolvimento têm em comum um factor de estrita localização decorrente da qualidade e abertura do seu clima cultural”; “a cultura de uma instituição é que determina os seus resultados educativos”; “as ciências humanas e culturais criam transparência num mundo complexo, isto é, põem à nossa disposição um saber orientador”; “que é que o escol político e económico nos escamoteia com o seu discurso?”; e etc, etc, etc. O “Ano das Ciências Humanas” tivera em “Pelas Ciências Humanas”, já ideado em 2005, uma campanha pioneira. – E ideado precisamente pelas fundações da VW, Thyssen, Die Zeit e a Associação de Patrocinadores da Ciência Alemã. Os “extravios sociais” só por estas ciências humanas podem ser denunciados, tal qual a crescente responsabilidade social das mesmas.

Ao leitor que, diariamente, compra um jornal chegou eco de tão magno evento? O que quero dizer é isto: é uma infelicidade para o nosso País – infelicidade de inestimáveis custos, diga-se – que vivamos na perfeita ignorância do que se passa num País que amo tanto mais intensamente quanto melhor o conheço. E logo que tenha vagar vou aperfeiçoar o meu alemão, desde já para conhecer autores do nosso tempo como , v.g., Sebastian Haffner ou Ulrich Wickert.

Esta destacada superioridade (melhor – preeminência) espiritual germânica é que faz, v.g., que um partido ecológico (a Ecologia é o Sagrado crescentemente tangível, hein!) tenha aí o protagonismo que tem, ou que a Chanceler seja uma mulher de tão tocante beleza. Sim, sim, não estranhe o leitor que o afirme. Se possui o mínimo de perspicácia e hiperestesia sabe (sente) muito bem que é assim. A fotografia de Frau (Senhora) Merkel ao lado do 1º representante da OUA, quando da Cimeira Euro-Africana em Lisboa, há escassos meses, inserida na conspícua revista missionária Além-Mar, é eloquente quanto baste. Aliás, um dia beijar-lhe-ei a mão de gratidão por ser uma emanação da espiritualidade na política. Mas todas as fotos, digamos, são eloquentes.

É mister estar tão atento quanto possível a este País gigante – para nosso proveito e proveito dele. Ajudá-lo, nós? – Claro. Vamos dizer-lhe que o que lá vai lá vai, que “águas passadas não movem moinhos”, que vemos nele, hoje, convictamente, poderes construtivos e que, pela nossa parte, não só os recebemos como, igualmente, somos positivos, cultivamos bons pensamentos e estamos cheios de entusiasmo para com eles.

Mais que uma vez, na Alemanha, tenho encontrado um camião TIR (cujas viagens, pelos vistos, são entre o país além-Reno e a França), o qual, nas portas traseiras da carroçaria tem, numa, uma bandeira alemã e, na outra, uma bandeira francesa. Sucede é que a palavra “Alemanha” está escrita sob a bandeira germânica; e a palavra “França” sobre a bandeira francesa. Para mim próprio isto é humilhante; e é inadmissível que os tudescos ainda andem a mortificar-se com o nazismo. Já expiaram tudo e não se mortifiquem mais. Ademais, creio, têm sabido reprimir os que, principalmente na ex-“RDA”, ainda se apresentam como seguidores do Führer. Assim como põem a bom ridículo gente tão conspícua como Ulbricht ou Honnecker…

Ou por me exprimir em alemão, ou porque viajo sempre em auto-vivenda de marca alemã (a pão-de-forma foi um saliente ícone do séc. XX), a gentileza que se me depara na Alemanha, da empregada de museu ao rapaz transeunte em Kiel, do proprietário da área de serviços ao cidadão que acabo de encontrar, do(a) polícia ao casal que fortuitamente encontro, essa gentileza raia o Sublime.

Em Portugal há livros didácticos de História que são de deplorável qualidade (conteúdo, linguagem, gralhas…), mas, no tocante às causas da primeira conflagração mundial, há que ter sempre bem presente que foi a paranóia francesa a causa do conflito.

A paranóia gala unida à barbárie czarista, a que, ininteligentemente, se juntou a pérfida Albion, é que são a razão dessa inenarrável hecatombe, nunca resolvida – melhor, agravada – pela dita paranóia em Versalhes. (Antes de 1914 queriam, literalmente, atenazar a Alemanha).

O que, após o pedido de armísticio pela Alemanha, em 11-XI-18, se tinha como pressuposto ir resolver os ingentes problemas entretanto surgidos, o Tratado de Versalhes, o que fez foi trazer as mais negras nuvens para futuro: a adesão a Hitler breve o confirmaria e exponenciaria. Aliás, Keynes e a sua perspicácia logo o disseram.

Mas o leitor vai ficar muito atento a quanto sobre a Alemanha se escrever. Até lá identifique o Sagrado na música de Bach, maravilhe-se com o espanto da arquitectura de Schinkel, ou sinta-se profundamente grato a este soberbo Papa.

Guarda, Dia de Entrudo, 08

Por: J. A. Alves Ambrósio

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