Arquivo

Da Alemanha (V)

“Todo o acto de escrita é um acto de impudência”, disse Nietzsche. Começo por citar o insigne filósofo, porque quero que o meu estimado leitor, da minha parte, tenha sempre como pressuposto que o que sabemos é limitado, que “todas as questões devem tratar-se com delicadeza” (Ortega y Gasset), que “a porta do errar é grande”, como diz o luso provérbio. Ou seja: há uma contingência intrínseca ao que escrevemos. De outro modo: nada é definitivo.

Conquanto já o tivesse dito há semanas, quando declarei que o meu “drama”, quando viajo pela Europa, é não saber a História toda (afirmação já de si limitada), hoje, com o parágrafo anterior, quero potenciar e precisar a questão.

A Floresta Negra (Schwarzwald) é uma zona muito bela e a sua capital, Friburgo da Brisgóvia, uma das mais belas cidades alemãs. Todavia, toda a Alemanha é muito bonita (estou certo que o território e as cidades da ex-“RDA”, a mais ou menos longo prazo, também assim se tornarão) e as suas cidades capitais – e não só estas, de modo nenhum – também muito belas e impressionantes.

Viajar de Munique, pelo sul da Baviera, para Vurtemberga, e, depois, alcançar o Reno no ponto em que este separa a Alemanha da Suíça e da França, é um itinerário que vale a pena só por si. Baste que se diga que, a dada altura, ao bordejar-se o Lago de Constança pelo N. e ao ter-se a Suíça da outra margem, as exclamações de “Ah!” são incessantes, potentes.

Anselm Kiefer nasceu precisamente nesta bela região, justamente ao lado do Danúbio e não longe da sua nascente: Donaueschingen. Danúbio em alemão é Donau.

Acontece é que Kiefer se transferiu para o S. de França, onde adquiriu uma vasta propriedade e, agora, vive e trabalha. O grande artista, aliás de uma extrema simpatia e fluente falar, não conseguiu uma vasta propriedade na sua terra natal? Continua atormentado pelo nazismo e a maneira de o esconjurar foi esta? Há outros motivos?

O dadá Hans Arp (Hans, em alemão, é João), transferiu o seu nome para Jean (em francês). Mas Arp – além de dadá… – nasceu na Alsácia (região de língua, arte e cultura alemãs que a Alemanha perdera em 1648, no final dessa hecatombe que foi a “Guerra dos Trinta Anos”, mas de novo conquistada para a Alemanha por Bismarque, quando da “Guerra Franco-Prussiana”). Arp nasceu em 1887.

Relativamente a esta última guerra há que lembrar que o marechal-de-campo von Moltke, em Sedan, consegue, em 1870, fazer prisioneiro o próprio imperador em pessoa, Napoleão III, e 82.000 homens que comandava. Sim, disse 82.000 mil homens e o próprio imperador.

A Alsácia voltou à posse da França pelo armísticio que pôs fim à 1ª conflagração (11-XI-1918), ou seja – e sem me alongar –, não custa muito perceber a mudança de nome.

O informalista Hans Hartung, nascido em Lípsia em 1904, radicou-se em Paris em 1935 e, de seguida, nacionalizou-se francês.

Já tínhamos visto como Hitler destruíra uma quantidade de obras expressionistas, que considerava “arte degenerada” (entartete kunst), bem como encerrara a Bauhaus – levando a que os luminares que aí trabalhavam emigrassem para os EEUU e, depois, a Chicago, tivessem dado o impulso e o brilho que deram.

A propósito. Quando visitar essas irresistíveis atracções de Luís II da Baviera, esse excêntrico, que mandou edificar Neuschwanstein e Linderhof, vá a Murnau e ao tocante museu de Kochel-am-See, ali mesmo ao lado. Por aí andaram – e pintaram, claro – nomes tão impressionantes como Kandinsky, esse “sagitário” nascido em Moscovo, pioneiro do abstraccionismo (as suas obras são “analogias musicais”), também professor na Bauhaus e falecido em Paris em 1944, com 78 anos, Kandinsky, dizia, e o seu dilecto amigo, o “aquário” Franz Marc, patrono do museu de Kochel-am-See e falecido em combate durante a “1ª Grande Guerra”, em Verdun.

Günter Grass é outra personalidade sobre quem é urgente determo-nos mais. Nós, portugueses, temos desde logo um obrigatório sentimento de gratidão para com este laureado com o Nobel da Literatura. Com efeito, Grass optou por possuir casa no Algarve, lugar onde passa parte do ano.

Após ter declarado que, durante a juventude, havia feito parte das SS, um conjunto de reacções veio ipso facto.

Walesa, ex-presidente polaco e Nobel da Paz, exigiu-lhe a restituição da agraciação de cidadão honorário de Gdansk, onde o escritor nascera em 1927, na cidade que, então, era alemã; o Pen Clube checo retirou-lhe o prémio que lhe atribuíra; e uma série de historiadores, escritores e políticos pediu à Fundação Nobel que exigisse a Grass a devolução do prémio que lhe atribuíra em 1999.

A Fundação fez bem em ter rejeitado o pedido.

Guarda, 27-X-07

Por: J. A. Alves Ambrósio

Sobre o autor

Leave a Reply