O Tribunal da Guarda absolveu na semana passada o major Cruz Ribeiro, antigo comandante do destacamento da Guarda da Brigada de Trânsito (BT), dos crimes de prevaricação e peculato. A juíza Cristina Rebelo deu como provado que o oficial deixou um condutor brasileiro, autuado no IP5 em Outubro de 1995 mas sem dinheiro para pagar a contra-ordenação, seguir viagem quando a legislação em vigor estipulava a apreensão do veículo até ao pagamento da multa. E que aceitou uma máquina fotográfica como garantia do posterior pagamento da coima. O que nunca aconteceu. Contudo, a magistrada considerou que, face às circunstâncias do momento, «não era exigível ao arguido outra conduta», aludindo ao facto do automobilista ter mentido a agentes e ao comandante quando invocou que a sua mulher estava grávida em França e em risco de vida.
Na origem do caso está a denúncia de um sargento da Guarda Nacional Republicana (GNR), assistente no processo interposto pelo Ministério Público (MP). Átila Sbruzi transpôs um duplo traço contínuo no IP5 e foi autuado por uma patrulha da BT. Sem dinheiro para pagar a multa, o condutor foi conduzido ao destacamento onde falou com o então comandante dizendo-lhe, «a chorar», que tinha que seguir viagem por causa do estado de saúde da mulher. Como não tinha dinheiro, propôs-lhe deixar a máquina fotográfica com o compromisso de pagar a contra-ordenação «assim que pudesse». Cruz Ribeiro aceitou a proposta e não apreendeu o veículo, deixando-o seguir viagem para França, quando o Código da Estrada determinava na altura a apreensão do veículo em situações idênticas. Em sede de julgamento ficou provado que Átila Sbruzi nunca liquidou a referida coima, paga posteriormente pelo cabo Ribeiro em Fevereiro de 1996 na Direcção-Geral de Viação (DGV) no seu valor mínimo. Esses 37,5 euros foram mais tarde dados pelo arguido àquele agente. Para o tribunal, também ficou claro que o oficial sabia que o infractor devia ficar com o veículo apreendido, que a decisão de deixar Sbruzi seguir viagem foi sua, «violando a lei em vigor à altura dos factos».
No entanto, a conduta de Cruz Ribeiro teve uma atenuante. Segundo o acórdão, «razões exteriores» impediram o discernimento do comandante neste caso, uma vez que foi «induzido em erro» pelo condutor. Por isso, a conduta do oficial «não é censurável por ter acreditado naquilo que o infractor lhe disse», acrescentou a juíza após ler a sentença. Satisfeito com este desfecho ficou Lúcio Alves, advogado de defesa, para quem Cruz Ribeiro agiu com «justiça, verdade, humanidade e não cometeu qualquer acto ílicito», disse à saída do tribunal. «Fez-se justiça», acrescentou, adiantando que o seu constituinte já tinha sido absolvido noutros processos administrativos e internos da GNR. «Sabemos bem os serviços que prestou nos últimos anos na BT», finalizou. Mais cáustico, David Catana, advogado de acusação, considerou que depois dos factos provados «não vale a pena haver tribunais ou DGV, pois são os comandantes de destacamento da BT que podem decidir se perdoam ou não as infracções». O representante do sargento Paulo Costa sublinhou ainda que esta decisão é «um incitamento aos portugueses para chorarem cada vez que forem autuados», estranhando que tenha sido a GNR a pagar a coima. O advogado constatou finalmente que toda a gente foi enganada neste caso, «incluindo um oficial que até foi promovido depois». David Catana anunciou que vai recorrer da sentença.
Luis Martins