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Coristas

Corta!

O maior e mais recente sucesso do cinema francês está há uma semana em cartaz entre nós, mas pelas cópias em circulação esse sucesso não se deverá repetir por cá. Com meia dúzia de cópias apenas, Os Coristas, o filme em questão, até poderá vir a encher salas por esse país fora, mas dificilmente, assim, conseguirá chegar a um mais vasto público, repetindo (dentro da especificidade do nosso limitado mercado) os números obtidos no seu país de origem.

De início até julgamos estar perante um novo filme de Tim Burton. Com uma música em tudo devedora a Danny Elfman, deparamos com um austero e frio palacete, desses que sempre povoaram as histórias de cariz mais gótico e que Burton conseguiu, no cinema, registar como marca sua. Puro engano. Afinal Cristophe Barratier, o francês, na sua estreia, não é por esse caminho que quer seguir e de Burton e dos seus maravilhosos universos nunca mais nos vamos lembrar nas duas horas seguintes. Em vez de Burton vamos parar a meio de uma encruzilhada onde Música no Coração e O Clube dos Poetas Mortos se encontram em amena cavaqueira.

Os ingredientes de que Os Coristas é feito explicam, facilmente, o seu sucesso, mas não o justifica. Haverá certamente quem possua ainda a ingenuidade suficiente para se comover com coisas destas. Um professor que de tão bonzinho e tão bom coração consegue conquistar e amansar os selvagens alunos dum reformatório onde, durante tantos anos, estes tinham sido incompreendidos, com castigos que tanto tinham de inoportuno como injusto. Um director que deveria ser mau mas afinal não passa de patético. E a apoteose, habitual nestas situações, do ostracizado professor que acaba despedido. Aqui, no final, ninguém sobe para cadeiras, mas por lá se arranja um momentozito (do mais medíocre e boçal que se possa imaginar) para, quem queira, verter a sua lagrimazinha. E assim se justifica o dinheiro gasto na ida ao cinema. Com as lágrimas aqui gastas já é de novo possível encarar de frente os noticiários em hora de jantar, com o ar impávido e sereníssimo de quem já com nada se comove.

As personagens mais não são que representações de preconceitos estabelecidos. Cada um no seu papel, com a sua função. O bom, o mau, o burro, o coitadinho, o freak, o génio e por aí fora. Basta deitar uma espreitadela ao cartaz do filme para conseguirmos adivinhar o que cada um representa dentro da história. Lá nisso o casting não falhou e levou à letra as possíveis indicações dramaturgicas de dada uma das personagens.

Um filme apenas indicado para gente de coração mole, e fã convicto dos dois filmes antes referidos. Mas, mesmo para esses, este ano já foi feito O Sorriso de Mona Lisa. Poderá não ser melhor, mas pelo menos tem gente gira lá dentro. Da minha parte, se alguma lágrima me sair, é apenas por poder pensar, por breves momentos que seja, que o cinema francês poderá, neste momento, não ter melhor para oferecer. No entanto, pelo sim pelo não, já tenho marcado na minha agenda uma ida, para breve, ao cinema, para ir ver Olha Para Mim, da realizadora do muito simpático O Gosto dos Outros.

O texto da semana passada era encabeçado pela frase quem vence não desiste, quem desiste não vence. Devido a cortes feitos no texto originalmente escrito, por questões de limites de espaço, acabou por não ficar referido que essa mesma frase faz parte do filme Terra da Abundância, de Wim Wenders. A informação aqui fica agora, para que nenhuma confusão de direitos de autor possa surgir. As desculpas.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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