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Contradições no Guarda Mall III

CCDR dá parecer negativo

A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (CCDR) deu parecer negativo à instalação de um centro comercial na Quinta de Pelames, onde actualmente funciona o Mercado Municipal e a Central de Camionagem. O projecto “Guarda Mall” sofre assim um revés na sua implementação. Confirmando aquilo que o “O Interior” avançou na semana passada, a CCDR considerou que o empreendimento não é enquadrável naquele espaço por violar o Plano Director Municipal (PDM).

No final da passada semana, a Comissão enviou para a Direcção Regional de Economia do Centro (DGE), entidade responsável pela “gestão” de todos os processos de licenciamento de áreas comerciais com mais de 15 mil metros quadrados, uma opinião desfavorável à autorização de instalação do centro comercial “Guarda Mall”. Segundo informação a que “O Interior” teve acesso na passada sexta-feira, junto da CCDR, este tipo de equipamento não tem enquadramento na utilização definida em PDM. Recorde-se que na última edição de “O Interior” foram identificadas várias contradições entre o projecto e o regulamentado pelo Plano Director Municipal. A Comissão de Coordenação confirma, assim, as eventuais violações ao Plano referidas por este jornal há uma semana. Joaquim Valente, presidente da Câmara da Guarda contesta o parecer, considerando que «não há violação ao PDM» porque «a actividade do mercado é comercial», logo, na sua opinião, «não há alteração à utilização estabelecida». Joaquim Valente considera que este é um «parecer prévio» e sem carácter definitivo. O presidente afirma mesmo que «o que vai ser feito é um mercado maior e uma central de camionagem melhor». E reitera que este projecto é de «grande importância» para a Guarda.

Assim, a “Guarda Mall” vai contestar junto da CCDR o parecer enviado à DGE. Assinale-se que, de acordo com a Lei 12, a Comissão de Coordenação é apenas uma das entidades a pronunciar-se sobre o empreendimento, mas o seu parecer é vinculativo. Ou seja, a manter-se a decisão tomada na passada semana, o projecto “Guarda Mall” não poderá ser aprovado. Joaquim Valente mostra-se confiante nos argumentos que serão esgrimidos junto da CCDR, até porque, para o autarca, «aquela é uma zona comercial e é um equipamento comercial». Por isso não aceita que a Comissão queira ver o empreendimento como contrário ao que está definido no PDM (zona de «equipamentos públicos existentes»). «Seria dramático para a Guarda», diz mesmo Joaquim Valente, que não põe de parte a possibilidade de colaborar com a empresa promotora para resolver o impasse criado pelo parecer.

Os direitos adquiridos

Nos argumentos que Joaquim Valente apresenta para refutar a posição da CCDR encontramos a similaridade entre a «vocação comercial» do mercado e a actividade prevista no projecto “Guarda Mall”. Consultado o “Regulamento do Mercado Municipal” (RMM), temos no seu artigo 3º a descrição exaustiva dos produtos alimentares que ali podem ser comercializados. O 4º identifica os demais produtos, não alimentares, cuja venda está autorizada. Este artigo incide sobre a autorização de venda de produtos como as flores e plantas, cereais e aves ou artigos de embalagem para produtos vendidos no mercado. Assim, e de acordo com o artigo 5º do RMM, a Câmara Municipal poderá «autorizar a venda acidental, temporária ou contínua de outros produtos» não descriminados nos artigos anteriores. Ora, se para contrariar o parecer negativo da CCDR se pretende argumentar que o “Guarda Mall” mantém o objecto previsto no PDM, e logo o do Mercado Municipal, e que o que se pretende fazer, afinal, não é um centro comercial, mas o desenvolvimento comercial «previsto» para aquele espaço, então o definido no RMM tem de ser levado em consideração. Assim sendo, e de acordo com o artigo 34º «a ocupação de locais de venda, é por natureza, precária, qualquer que seja a sua espécie ou classe» e, de acordo com o artigo 40º, os locais serão sempre atribuídos «por meio de hasta pública». Ou seja, a “Guarda Mall” não poderá comercializar “as lojas” de outra forma que não seja a prevista no RMM. Ao mesmo tempo, o artigo 57º diz que «o direito de utilização dos locais de venda é sempre de natureza precária». Pelo que, os actuais comerciantes do Mercado Municipal não têm direitos adquiridos, ao contrário do que tem sido veiculado. Mas qualquer alteração às regras apresentadas terá de ser autorizada pela Assembleia Municipal.

Escritura por usucapião

Uma das “descobertas” mais caricatas no processo “Guarda Mall” tem a ver com a propriedade da Quinta de Pelames. Como aqui referimos na edição de 11 de Maio, um dos aspectos surpreendentes no processo, que se encontrava em consulta pública na DGE, em Coimbra, dizia respeito à “confidencialidade” de alguns documentos e, em especial, a não existência de prova do direito de propriedade, de acordo com o artº 11º, da Lei 12. Acontece que, à data em que o processo foi remetido à DGE pela empresa promotora, a Dabih – Compra e Venda de Imóveis para Revenda, S.A., os terrenos onde se encontra o Mercado Municipal e a Central de Camionagem não tinham proprietário. Ou melhor, estavam inscritos com as matrizes prediais urbana a favor da Câmara da Guarda, com os números 2604 e 2613, mas não estavam descritos na Conservatória do Registo Predial, nem havia qualquer título de propriedade. Foi para dar andamento ao projecto que a Quinta de Pelames foi escriturada, ao que “O Interior” apurou, por usucapião.

Esta situação surpreendeu o próprio presidente da Câmara da Guarda, que esclareceu que «não estava regularizada, nem havia titularidade», mas agora «isso já está ultrapassado».

Sede na Câmara

Outra questão que deixava algumas dúvidas dizia respeito à empresa promotora do projecto. Sendo certo que deu entrada na DGE sob a responsabilidade da Dabih, com sede em Lisboa, havia a promessa, por parte do presidente da autarquia, de que a empresa promotora – de que a Câmara iria deter 10 por cento – teria sede na Guarda. Assim, a “Guarda Mall, S.A.” encontra-se já registada na Conservatória do Registo Comercial da Guarda com o número de matrícula 507175298. Estranhamente, a sede da empresa, de acordo com a respectiva certidão, é na Praça do Município, ou seja, nos Paços de Concelho, isto apesar de a autarquia ser o sócio minoritário. Uma situação que «nada tem de anormal», diz Joaquim Valente, que acrescenta tratar-se de uma «situação provisória».

Luís Baptista-Martins

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