Publicou “O Interior”, na sua última edição, um trabalho de investigação sobre a tramitação do projecto Guarda Mall que, obviamente, elogio. Quando iniciativas, com objectivos de aplaudir e sustentáveis no quadro de requalificação urbana, podem, por mau planeamento ou pressão de datas, atropelar as mais elementares regras de gestão, podemos estar perante a hipoteca da transparência que se exige e, principalmente, colocar em risco a sua exequibilidade.
Porque pretendo exercer cidadania de forma responsável – e por isso baseada em informação fidedigna – visitei a Direcção Regional de Economia (DRE), em Coimbra, no período de discussão pública onde consultei e deixei parecer sobre o projecto em questão. Já afirmei no programa “Sexto Sentido”, da Rádio Altitude, e repito-o agora: não gostei nada do que vi no dossier que tenta dar cumprimento à lei 12/2004, relativa ao Licenciamento Comercial deste futuro espaço.
Mas que razões poderão ter levado a tão parco conteúdo?
É verdade que a CMG, em 23 de Janeiro, ao abrigo do processo E-23-8, desafiava alguns promotores escrevendo no convite: «Sendo nossa intenção iniciar estudos com vista à instalação de um empreendimento comercial na nossa cidade, vimos convidar V. Exa. a apresentar alguns elementos, nomeadamente os que devem acompanhar o pedido de autorização prévia de instalação de conjuntos comerciais, conforme o previsto no Anexo II da lei 12/04 de 30 de Março. Para os devidos efeitos, sugere-se a entrega dos seguintes elementos:
1 – Estudo de mercado
2 – Memória descritiva
3 – Planta de Ordenamento, etc., num total de 13 estudos e propostas, incluindo a calendarização da construção e da entrada em funcionamento do empreendimento.
No final escrevia-se ainda: «A documentação pedida e os elementos em causa deverão ser entregues no Município até 24/02/2006». Assina o próprio Presidente da Câmara.
Sabia-se que, afinal, não era o primeiro empreendimento comercial, mas o segundo – o projecto final do Fórum Theatrum já havia sido aprovado em Julho de 2005.
Ora sabe-se que a 1/02/2006, o executivo deliberou, por unanimidade, aprovar a proposta do sr. Presidente e submeter esta à Assembleia Municipal, que, a 22/02/2006, deu o seu acordo e também aprovou. O dossier do parceiro escolhido dava entrada em 27/02/2006 na DRE, em Coimbra. Velocidades pouco próprias da administração pública, dirão uns, capacidade de avaliação e decisão da nova equipa, dirão outros.
Mas atentemos aos termos do “desafio” que alguns chegaram a chamar de concurso por convite. A referida missiva começava por afirmar: «Sendo nossa intenção INICIAR ESTUDOS». (maiúsculas nossas), o que poderia levar o receptor a interpretar estar-se perante uma fase exploratória para uma primeira abordagem. Enganaram-se todos os que assim pensaram, acertou a DABIH SA que percebeu o alcance do convite.
Depois convidam-se a apresentar «alguns elementos», que mais não eram que a lista que consta do anexo II da referida lei. Interpretou bem, mais uma vez, a DABIH SA, que enviou tudo, embora considerando confidenciais alguns dos documentos que terá apresentado, já que não fazem parte dos seis exemplares entregues em Coimbra.
A data limite era meramente indicativa, já que, mais uma vez, a DABIH SA, entregando mais cedo, viu recompensado o seu esforço.
Importante, afinal, era o nº13 da carta-convite, que dizia «contrapartidas diversas para o município» e de que apenas ficámos a saber as da DABIH SA (mais uma vez bem), porque as dos outros concorrentes, temos a certeza, seriam de muito menor monta ou importância, já que nunca foram tornadas públicas.
Perante este quadro e dadas as provas referidas, foi óbvio que, mesmo sem o prazo expirar, estava encontrado quem melhor correspondia ao «iniciar estudos» e dava «mais contrapartidas à CMG», ou seja a todos nós.
O facto de haver dois períodos no ano (alinea a) do nº1 do artigo 10º) para apresentar este tipo de candidaturas, sendo que o primeiro terminava em finais de Fevereiro, apenas permitiu uma maior celeridade do processo.
Agora terminado fase de consulta pública, e elaborado o respectivo relatório com os resultados daquela, segue-se a avaliação da candidatura por uma comissão regional, onde, para além de um representante da Câmara – que, obviamente, já conhece bem o processo –, estará, em representação dos interesses do comércio local, um representante da Associação Comercial da Guarda a quem, em devido tempo, devem ter feito chegar uma cópia do dossier. Este não deixará, tenho a certeza, de consultar os seus associados para que o seu voto seja sustentado na vontade de todos.
Os critérios de decisão (artigo 9º) estão explicitados na própria lei, pelo que não deixam grande latitude para a decisão. Face às exigências e critérios referidos, que não pelos objectivos em vista, e pela ausência de alguns estudos vitais, como o viário e o não cumprimento do artigo5º (autorização prévia de localização), o meu voto, se fosse comissão, era de reprovação.
As capacidades reveladas pelo concorrente para entender e dar resposta ao que a CMG pretendia não tiveram continuidade no cumprimento taxativo da lei 12/2004, o que aparentemente seria até mais fácil. A vida tem estas contradições..
Por: J. L. Crespo de Carvalho