Processo em consulta pública não mostra tudo
O projecto de instalação de um centro comercial na Quinta de Pelames, onde actualmente funciona o Mercado Municipal e a Central de Camionagem, tem, desde a sua génese, merecido os mais variados comentários. Assim, procuramos nesta edição ficar a conhecer um pouco melhor o novelo que encerra tão diferentes interpretações. E vamos procurar, em próximas edições, focalizar o nosso trabalho, em colaboração com o Rádio Altitude, noutros vectores do projecto.
Da Tramcrone à Dabih
A 23 de Janeiro de 2006 a Câmara da Guarda enviou, sob a forma de consulta, um convite a algumas empresas para apresentarem propostas para «instalação de empreendimento comercial» (processo E-23-8). Definia o espaço e caracterizava a instalação de acordo com a Lei 12/04, de 30 de Março, e respectivo Anexo II. Esta consulta tinha um prazo, extremamente reduzido, para apresentação de propostas: 24 de Fevereiro. Muitos se interrogaram sobre o prazo tão curto, logo, inibidor para qualquer empresa apresentar um projecto devidamente elaborado. Se considerarmos todas as exigências legais presentes no Anexo II, referido, do estudo de mercado ao estudo de resíduos, passando pelo acústico, etc, não era, obviamente, fácil a uma empresa apresentar uma proposta, a não ser que tivesse o processo já organizado nesse sentido.
Por outro lado, a preferência por convidar empresas a apresentar proposições, em vez de optar por lançar um concurso público para apresentação de propostas de concepção e construção de um centro comercial, num espaço de propriedade pública, foi uma opção de duvidoso interesse público. A empresa escolhida foi a Tramcrone, do grupo TCN, com sede em Lisboa. No seguimento da selecção foi concertado com a Tramcrone o modelo de negócio: criação de uma sociedade, com sede na Guarda, na qual a autarquia iria deter 10 por cento. Todo o processo foi aprovado por unanimidade em sessão de Câmara (posição e oposição).
O assunto foi discutido em Assembleia Municipal onde foram levantadas algumas dúvidas, mas, ainda assim, aprovado sem relutância: era unânime a ideia de que é urgente a Guarda ter um centro comercial… ficando no ar, apenas, a ideia de que ter 10 por cento da sociedade era como não ter nada…
O conjunto Centro Coordenador de Transportes, Mercado Municipal e área adjacente foi valorizado em quatro milhões de euros. O investimento descrito pela Tramcrone será de 30 milhões de euros. O pedido de entrega de documentos (Processo E-23-8), ponto 13, diz: «Contrapartidas diversas para o Município». As contrapartidas até agora conhecidas limitam-se à requalificação do mercado e à instalação de um terminal rodoviário urbano, no mesmo centro comercial. Fica ainda definido que a empresa e a autarquia irão «estudar» e executar uma «solução urbanística complementar ao terminal rodoviário urbano destinado ao estacionamento e depósito dos transportes rodoviários». Quiçá este equipamento seja implantado junto à VICEG, frente às Piscinas Municipais, mas, todavia, não se determinou quem compra o terreno se a autarquia se a Tramcone. Ora, como contrapartidas para a cidade, é muito pouco! Mas se a Tramcrone foi a empresa escolhida pela a autarquia, e em relação a ela se pronunciou o executivo e a Assembleia Municipal, o projecto de investimento foi depois entregue pela Dabih – Compra e Revenda de Imóveis para Revenda, S.A. (também participada da TCN). Esta, também com sede em Lisboa, capital social de 50.000 euros, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 1ª secção, e registada a 29 de Dezembro de 2004, será a empresa onde a Câmara da Guarda irá deter 10 por cento?
A confidencialidade
O processo chega então à Direcção Regional de Economia do Centro (DGE) onde pode ser consultado até amanhã. Fomos, pois, a Coimbra procurar descobrir mais alguma contrapartida proposta pela empresa promotora. E que encontrámos? Nada! Pelo contrário!
Fomos surpreendidos pelo facto de a Dabih, enquanto empresa promotora do centro comercial “Guarda Mall”, aparecer, para efeitos de projecto, como proprietária dos terrenos onde se irá instalar o “shopping”, no entanto, no processo não encontrámos nenhum documento que lhe outorgue esse direito. Quando o pedimos, informaram-nos que era confidencial e como tal não estava no dossier em consulta pública. De acordo com a Lei 12, Artigo 11º, «(…) os pedidos de autorização (…) de instalação de conjuntos comerciais ficam sujeitos à seguinte tramitação procedimental: a) (…) são apresentados (…) acompanhados dos elementos referidos no anexo I da presente lei e que dele faz parte integrante (…)» e «b) O requerente deve fazer prova do direito de propriedade sobre o local (…)». Consultado o anexo I, temos que: A, c) «Legitimidade para apresentação de pedido: Título de propriedade, contrato-promessa ou qualquer outro documento bastante, de que resulte ou possa vir a resultar a legitimidade do requerente para construir o estabelecimento ou conjunto comercial (…)». Ou seja, no estrito cumprimento da lei, onde não encontrámos qualquer referência a direito de confidencialidade de documentos, salvo melhor opinião, o direito de propriedade ou algum documento que se inscreva no atrás dito, deveria estar disponível na consulta pública. Este facto, por si, permite as mais diversas interpretações, por muito injustas ou incorrectas que possam estar.
Por outro lado, e também no Artigo 11º, d), a lei diz que «o requerente deve juntar declaração de impacte ambiental favorável, emitida nos termos do decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio (…). No dossier em consulta pública também não encontrámos qualquer documento comprovativo de aprovação do estudo de impacte ambiental ou outro que o substitua, como o de deferimento tácito, se no caso se aplicasse. Aliás, não sabemos se o que está no processo em consulta pública é um estudo de impacte ambiental…
Estes são alguns dos “nós” que têm contribuído para polemizar sobre o “Guarda Mall”. Joaquim Valente esclareceu-nos alguns pontos, noutros referiu que numa fase posterior serão apresentados os documentos que nós suponhamos já serem obrigatórios nesta fase. A Câmara da Guarda, como a empresa promotora, tem a obrigação de esclarecer todo o cidadão. E nos negócios do Estado (neste caso da autarquia) não é admissível a existência de matéria “confidencial”. A bem da transparência e da legitimidade dos titulares dos cargos públicos. Tudo o que é segredo, na coisa pública, é nebuloso e sombrio. E não é isso que se espera da Câmara da Guarda e de quem negoceia com a autarquia.
Luís Baptista-Martins