Amigos que me sabem interessado no assunto, informaram-me que um jornal muito comprado, pouco lido e nada respeitado, que sai aos sábados dentro de um saco de plástico, e que faz agora parte de um clube de órgãos de comunicação orgulhosamente associados a O Interior, noticiava na sua primeira página da última edição (embora haja teses que não garantam não ter sido na última página da primeira edição) que 40% dos homens portugueses pagam para ter sexo. O número pode ser surpreendente para muitos e muita gente (umas duas pessoas, três rolas e uma lagartixa sem rabo) me tem pedido para eu interpretar o significado desta revelação. Mas os leitores deverão compreender que eu não posso interpretar um número destes de forma tão desligada da metodologia utilizada.
Primeiro, não nos é fornecida a indicação precisa do que se considera pagar para ter sexo. Por exemplo, não ficamos totalmente esclarecidos sobre se a mensalidade do canal Sexy Hot ou o creme hidratante para as mãos são considerados como respostas afirmativas. Depois, ficamos sem saber se o inquiridor se referia apenas a pagamentos em dinheiro ou a qualquer tipo de troca comercial ou mesmo a questões sentimentais como a transacção conhecida por “eu dou-te sexo e tu abraças-me até de manhã e dizes-me que gostas de mim”.
Não é aceitável que jornais deste peso (cerca de 3,5 kg) se debrucem sobre estas questões sem que esclareçam completa e cabalmente os seus seis ou sete leitores de todos os pormenores do inquérito – incluindo as moradas de todos os tipos que responderam que sim, para numa segunda fase do estudo se confrontar a opinião das mulheres sobre o hábito dos maridos e numa terceira passar lá por casa para promover processos de reintegração sexual.
No entanto, talvez seja possível adiantar uma provável explicação do fenómeno se ter alargado a praticamente metade da população. Com o aumento dos níveis de literacia, as mulheres passaram a ler mais revistas e a confrontar os maridos com os artigos ali publicados e onde são relatados os feitos heróico-mitológicos de imaginários atletas dos 100 orgasmos planos. Ninguém resiste a tal comparação.
Por fim, há uma relação estatística que o estudo não estabelece. Se 40% dos homens pagam para ter sexo, qual a percentagem de mulheres que recebe para o fazer? É pergunta que fica por responder. Porque seria importante sabermos se andam dois milhões de tugas2 a encher os bolsos de meia dúzia de mulheres de má fama e vida boa ou se vivemos num país que Bocage compreendeu numa exacta proporção quando escreveu “puta foi muita gente boa”.
Este tipo de ligeirezas mais não faz que corroer o prestígio da ciência portuguesa e do Zezé Camarinha. E se a primeira já morreu há uns anos, o outro ainda outro dia estava na SIC a contar outra vez como papou mil mulheres. E sem pagar.
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1 Este artigo usa abundantemente a ironia. O autor reconhece o erro de utilizar um recurso tão reconhecido e apreciado pelo povo português em geral e tão recorrente na imprensa portuguesa. As minhas desculpas.
2 40% dos homens portugueses, não 40% dos portugueses. Três notas de rodapé em duas semanas. Se esta coluna desaparecer é porque o colunista terá sido convidado para escrever numa revista científica qualquer, onde as notas de rodapé são muito mais importantes e dignas de referência que o texto principal.
Por: Nuno Amaral Jerónimo