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Como água para chocolate, de Laura ESQUIVEL

Ler para Querer

Durante as férias, dediquei algum tempo à leitura ansiada de alguns livros, já por várias vezes adiada durante o ano por falta de disponibilidade. Na bibliografia, entre outros autores, duas obras de Laura Esquivel: Como água para chocolate e Tão veloz como o desejo.

A leitura de Como água para chocolate, cujo enorme sucesso internacional fala por si, superou todas as minhas expectativas. O prazer foi no mínimo comparável ao que já experimentara antes ao ler as obras de Gabriel Garcia Marquez. Entende-se então perfeitamente porque é que este romance, publicado em 1989, foi traduzido em mais de 30 línguas e adaptado ao cinema três anos mais tarde nos E.U.A., obtendo inúmeros prémios, entre os quais o de melhor filme estrangeiro.

Como água para chocolate relata os amores proibidos entre Tita e Pedro no México rural dos princípios do século XX. Tita cresce e vive parte da sua mocidade na cozinha da herdade familiar, na companhia de Nacha que adora, acatando as ordens de uma mãe tirânica. Uma tradição de família já antiga, que Tita vai tentar combater ao longo da sua vida, obriga a filha mais nova a dedicar-se à mãe até à sua morte, proibindo-lhe de tal modo a possibilidade de contrair matrimónio.

Além da transbordante imaginação criadora da autora que faz deste romance uma obra de referência, existe outro factor que contribuiu indubitavelmente para o seu sucesso: a originalidade, não propriamente do tema em si, mas sim da forma como é tratado. Essa originalidade prende-se essencialmente com a interligação que existe entre a ficção e o universo culinário, já que, na realidade, Laura Esquivel defende com a mesma força a literatura e a cozinha. Segundo a escritora, a primeira é um acto de amor, e a segunda a sua fonte de conhecimentos: “Cozinhar é uma cerimónia de união com o universo”.

Cada capítulo do romance abre portanto com uma receita culinária fora de comum. São ao todo doze receitas que acompanham, durante um ano, o evoluir da história. Toda a trama narrativa se alicerça na comida, nos sabores, nos ingredientes, nos utensílios e nos cheiros da cozinha. Os sentimentos são por sua vez exprimidos através da comida, conferindo ao texto a sua dimensão mágica.

O tema da magia culinária, que não é novidade em si nem exclusividade da escritora mexicana –relembremos outras obras como por exemplo Chocolate, de Joanne Harris- vem-nos servido de forma a estimular ao longo de toda a leitura os nossos sentidos assim como os nossos sentimentos. Todas as receitas apresentadas servem de pretexto para estabelecer uma conexão entre a magia da cozinha e a vertente fantástica da história. Podemos salientar por exemplo a importância das lágrimas de Tita, que já dentro da barriga da mãe chorava quando essa picava cebolas. Mais tarde, quando Tita prepara o almoço de casamento da sua irmã Rosaura e de Pedro, as lágrimas que derrama na comida têm o poder de entristecer todos os convidados.

No entanto, o efeito contrário acontece também quando, ao confeccionar um prato de codornizes com pétalas de rosas oferecidas por Pedro, essas começam a exalar poderes afrodisíacos. E se a Tita lhe é negado o direito de se apaixonar, as virtudes das pétalas de rosas não deixam de produzir o seu encanto sobre a sua irmã mais nova: num cenário resplandecente de erotismo e luxúria, Gertrudis começa a correr nua pelo pátio da herdade até desaparecer, levada a cavalo por um soldado zapatista que por aí passava.

Além do tema da magia culinária, o fantástico surge de igual modo sob a forma de fenómenos sobrenaturais tais como a lenda dos fósforos -no final da história Tita ingere fósforos para se aquecer e transforma-se em tocha humana- ou ainda as maternidades misteriosas. Várias vezes são referidos esses episódios, quer seja pelos sintomas ressentidos por Tita, quer seja pelos poderes misteriosos que lhe permitem amamentar o primeiro filho de Rosaura e Pedro, como se do seu próprio filho se tratasse.

Ciente de que esta breve análise fica muito aquém de tudo quando se poderia dizer, espero contudo ter aguçado os apetites literários daqueles que, por acaso, ainda não conheciam a obra que revelou ao público uma escritora mexicana de grande talento.

Amália Gonçalves Fonseca *

* Docente na ESTT- IPG

Sobre o autor

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