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Com sombra de dúvidas

Da nova legislação, que estabelece o regime de criação e o quadro de atribuições e competências das Áreas Metropolitanas e das Comunidades Intermunicipais, decorrem várias dúvidas. Sem querer falar em regionalização, até pela dificuldade de imaginar regiões com limites efémeros, a nova lei estabelece regimes de parcerias entre municípios, para a gestão de um dado território, cuja acção visa a prossecução de interesses comuns aos municípios que o integram. Como forma de promover a instituição dessas parcerias, a administração central criou figuras legais, pessoas colectivas de natureza pública, para as quais prometeu a transferência de atribuições, algumas das quais, até agora, da exclusiva responsabilidade da administração central.

No entanto, a delegação nos municípios, por parte da administração central, da competência de delimitação destas áreas territoriais, apesar de democrática, tem contornos duvidosos. Parece-me óbvia a incapacidade dos mesmos se desligarem dos interesses individuais que, se por um lado podem colidir com os interesses dos municípios vizinhos, não deixam, por outro, de ser promessas eleitorais. Veja-se o resultado. No caso particular desta zona do interior centro, os três principais municípios defendem áreas territoriais em forma de mancha de óleo em redor do seu umbigo, o que é natural, face ao receio de serem acusados pelos munícipes de incapacidade de negociação. Porém, vão-se servindo de argumentos menos claros, tais como a identidade cultural ou a coragem de esquecer o passado.

Por outro lado, é também verdade que a constituição destas GAM, ComUrb ou Comunidades Intermunicipais, tal como a eleição dos membros que constituem os seus órgãos, resultam do voto da assembleia municipal de cada município, assembleias essas eleitas pelos munícipes ou, no caso dos membros do órgão executivo, pelo voto directo desses mesmos munícipes. Pergunto-me se a Assembleia Municipal não está para a GAM, ComUrb ou CIM como a Assembleia de Junta de Freguesia está para a Assembleia Municipal, ainda que com eleições desfasadas no tempo? Poderá ou não falar-se em legitimidade política?

A Administração Central foi eficaz. Com apenas dois Decretos-lei imputou aos municípios uma agregação forçada, não deixando alternativa a quem por ventura não o pretenda fazer. Conseguiu ainda livrar-se de responsabilidades que tem ignorado, tal como a de elaboração dos planos regionais de ordenamento do território (PROT’s). E os municípios, sem grande tradição associativa, mas embasbacados com a possibilidade de ter mais poder, aí estarão para o que der e vier, sem fúrias e manifestações, vinculados durante os próximos cinco anos e atirados para futuras autárquicas, cujos contornos ainda não se conhecem.

Por: Cláudia Quelhas, Arquitecta

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