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Coisas…

O que é que a candidatura da Dra. Ana Manso à câmara da Guarda tem que ver com a hipotética candidatura de Mário Soares à presidência da República? Aparentemente nada. E na realidade, não tem relação nenhuma, não senhor.

Este raciocínio desconexo que abre o meu texto resultou de uma daquelas associações de ideias que não se explicam mas que resultaram numa conclusão tão óbvia quanto triste: a qualidade desta gente que anda na política a sério não vive propriamente tempos de glória.

Se no caso da candidatura do PPD à Câmara da Guarda parece claro que o espírito da derrota inevitável preside ao leque de escolhas dos candidatos, no outro, no “caso” Mário Soares já parece evidente que a esquerda portuguesa percebeu finalmente que a renovação(?) tem que ser feita com recurso à velha guarda, já que a nova é de fraca qualidade.

Como não acredito em fatalismos, recuso a ideia de que até ao segundo terço do século XX Portugal tenha tido uma mão cheia de figuras de proa (Eusébio, Amália, Salazar(!), Cunhal, Sá Carneiro, Carlos Lopes, etc., etc.) e que ali por volta dos anos 80 tenhamos perdido a capacidade de produzir gente capaz, gente com carisma, gente inteligente (ainda que por vezes essas características tenham sido usadas no pior dos sentidos, mas isso são contas de outro rosário). Acredito sim que, hoje em dia, quem pode, quem sabe, quem tem carisma, usa-o para outras coisas, com outros fins, mais práticos e mais lucrativos. Quem fica a perder, naturalmente, é a política, é o país, somos todos nós.

Voltando à comparação inicial, de cada vez que olho para o já famoso cartaz com o sorriso de Ana Manso, não consigo deixar de pensar que a senhora não se cansa de perder eleições, de usar os mesmos slogans e de se rodear de gente que, não sendo sempre a mesma, mantém sistematicamente as mesmas características. Aquilo vai dar derrota pela certa, sorrisos amarelos e desculpas de mau pagador, que, no fundo, são a ementa servida desde há uma série de anos a esta parte. Consequência disto é o facto de que o PS nem precisa de aquecer para limpar a coisa prolongando o tal vício de crise de renovação e aumento de qualidade de tanto estamos precisados.

Do outro lado da associação de ideias, aparece-nos Mário Soares, imperial, a demonstrar publicamente que esta geração de Sócrates e Santanas é feita de segundos planos e que talvez tenhamos que esperar um bom par de décadas até que uma nova fornada de gente capaz se interesse por este bichinho que é a política.

PS: Em relação à eventual disponibilidade de Mário Soares para regressar ao palco, não consigo tecer qualquer juízo de valor. Tem exactamente o mesmo direito que eu. Apenas invejo antecipadamente a capacidade de um homem de 80 anos de projectar desta maneira o seu futuro, num país em que, para muita gente, os setenta anos representam o início da espera inglória da morte.

Por: António Matos Godinho

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