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Ciências Matrimoniais

Observatório de Ornitorrincos

No passado sábado assisti a um casamento. Escrevo “assistir” no sentido de observar, não no sentido de ter participado numa intervenção em socorro dos nubentes. O matrimónio foi celebrado por uma digna representante da República Portuguesa e da Conservatória do Registo Civil, que levava um belo traje decotado na zona das mãos e de cores diferentes, ou como dizem os estilistas, a fazer pendant. Importa aqui repetir as palavras da senhora conservadora – que celebra casamentos, ao contrário das senhoras liberais e progressistas que celebram divórcios – no acto de união daquelas duas pessoas. “O casamento é um contrato, igual a um contrato de prestação de serviços ou a um contrato de empreitada.”

Ora eu, solteiro desde pequeno, posso perceber e reconhecer no quotidiano a contratualidade de serviços vários entre as duas partes do casal ou mesmo com a participação de um ou vários terceiros. Já uma enorme surpresa foi para mim o uso da metáfora da empreitada. No entanto, após examinar com maior detalhe a formulação conceptual da senhora, compreendi a imagem e deixa-me pouco a objectar. Um contrato de empreitada presume um caderno de encargos, uma data prevista de conclusão, um projecto de obras e é muitas vezes atribuído pela parte contratante após um concurso entre empresas concorrentes. Dificilmente um cínico descreveria melhor a realidade.

O casamento tem sido ao longo da história do pensamento humano um dos temas mais debatidos, juntamente com a existência de Deus e o pânico masculino de ficar trilhado num fecho éclair. No entanto, há nas cerimónias de união um conjunto de hábitos e tradições que se tem alguma dificuldade em entender, principalmente depois de comer oito pratos diferentes servidos como se não houvesse amanhã nem prato seguinte. A tradição menos compreensível é o leilão da liga da noiva. Para começar pelo aspecto anacrónico da coisa, hoje já ninguém usa ligas, pelo que talvez fizesse mais sentido leiloar os collants da noiva. Adopte alguém esta sugestão e antevejo grandes possibilidades de sucesso ao evento. Os tios mais ricos contribuiriam certamente com sólidas maquias para ver a recém-casada subir e baixar as meias-calças durante alguns minutos. Porque pagar para ver as pernas da moçoila é completamente desnecessário – basta combinar com o casal uma visita à praia em qualquer domingo solarengo – para não falar das muitas vezes em que é absolutamente desinteressante.

Conheço a ladainha habitual sobre a necessidade de educar a juventude e a importância transcendental de formar competências competitivas. Todos os partidos em campanha eleitoral nos relembram desta vocação “educativa” das suas preocupações. Desnecessárias, no entanto. A sociedade portuguesa assimilou já a utilidade da aprendizagem dos vários níveis e graus de ensino. Não nos admiremos que o governo de José Sócrates, depois de tornar o 12º ano o fim da escolaridade obrigatória, proponha a exigência legal de frequência e aprovação dos famosos e excelentes cursos de noivos para obter diploma necessário à assinatura do contrato matrimonial. Como se de uma carta de condução se tratasse, no fundo. Da mesma maneira, a obrigatoriedade da escola pode também ser estendida aos primeiros meses de vida. Ainda antes da pré-primária e do infantário, talvez o governo devesse ponderar em obrigar todas as grávidas a frequentar aulas de parto. Só desta forma teremos um país competitivo ao mais alto nível, com a escola a dominar a vida dos portugueses desde o seu início.

EU VI UM ORNITORRINCO

Luís Filipe Menezes

Espécie que desperta a curiosidade da comunidade científica. Líder de tendências dentro da sua tribo, costumava afrontar o chefe da pandilha. Actualmente, deseja ser o dono do circo e montar a tenda no descampado já ocupado por outros malabaristas e palhaços.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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