A Ciência e a poesia pertencem à mesma busca imaginativa humana, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor. A visão poética cresce da intuição criativa, da experiência humana singular e do conhecimento do poeta. A Ciência gira em torno do fazer concreto, da construção de imagens comuns, da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento global sobre o mundo circundante. A ciência tem como vínculo restritivo, ao contrário da poesia, o representar adequadamente o comportamento material, tem essencialmente, a leitura poética do mundo, a capacidade de permitir a previsão e a transformação directa do entorno material. As aproximações entre ciência e poesia revelam-se, no entanto, muito ricas, se olhadas dentro de um mesmo sentimento do mundo. A criatividade e a imaginação são a base comum destes dois mundos de produção de conhecimento. Neste sentido, no Ano Internacional da Astronomia ficam aqui dois exemplos de como a poesia e ciência se entrelaçam para a produção de documentos criativos e belos.
Máquina do Mundo
António Gedeão (1961)
O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma. O resto é matéria.
Daí, que este arrepio, este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio, deve ser um intervalo.
António Gedeão (1961)
Poema para Galileo
(…) Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu, e quantos milhões de homens como eu
A quem tu esclareceste,
Ia jurar – que disparate, Galileo! –
e jurava a pés juntos, e apostava a cabeça
Sem a menor hesitação –
Que os corpos caem tanto mais depressa
Quanto mais pesados são. (…)
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
(…)do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo, caindo,(…)
e sempre, ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
António Gedeão (1968)
Amador sem coisa amada
Resolvi andar na rua

com os olhos postos no chão.

Quem me quiser que me chame
ou
que me toque com a mão.


Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,

olharei para os prédios altos,

para as telhas dos telhados.


Amador sem coisa amada,

aprendiz colegial.

Sou amador da existência,
não chego a profissional.

António Gedeão (1959)
Por: António Costa