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Chill out & lounge

Editorial

O Terreiro do Paço, onde a história da cidade de Lisboa se confunde com a história do próprio país, acordou no sábado de cara lavada. Do lado esquerdo da Praça do Comércio, para quem está virado para o Tejo, foi inaugurado o novo espaço de lazer da capital. Ali, por onde desaguam milhares de pessoas que diariamente saem do rio, vindas da outra margem, em passo largo, para atracarem no reboliço da cidade por entre autocarros e elétricos, há agora boas razões para parar. O novo espaço, num velho terreiro, foi repleto de esplanadas e, por baixo das arcadas, onde ainda se lê numa velha placa a inscrição de “Ministério das Finanças”, há cinco novos restaurantes, uma cervejaria com vários tipos de cerveja, cafés, uma discoteca e uma florista. E vai haver um museu da cerveja. E ficou prometido um museu ou centro interpretativo da história de Lisboa, lá para o outono, que terá como ponto forte uma animação em 4D do terramoto de 1755, com solavancos e tudo. No torreão oposto vai haver exposições e eventos públicos e privados, animação circense, vida…

Assim se faz uma cidade. Assim se pensa uma cidade. Claro, em Lisboa. Onde há muita gente e há gente que pensa. E dez milhões de euros para investir na praça…

O Terreiro do Paço de outrora tinha desaparecido, foi deixando de respirar, por entre obras e correrias, entre elétricos e zonas pedonais. Já não era a Praça do Comércio, onde acorria toda a gente, ou sequer o largo agitado do regicídio. Ainda tinha muita gente, mas gente que passa a correr. O Terreiro na sua essência, no seu âmago, estava moribundo.

Era preciso intervir. A Câmara de Lisboa foi ocupando os edifícios, que antes albergavam os ministérios e que ultimamente eram pouco mais que depósitos de lixo e arquivos mortos. A estratégia de ocupação visa devolver à cidade uma praça que há centenas de anos estava ocupada por serviços centrais. Ainda não terminou, mas os lisboetas recuperaram o Terreiro onde não matavam o mestre, mas mataram o rei e a monarquia, onde o murmúrio da água e das gaivotas dão vida à mais bela frente que Lisboa tem sobre o Tejo.

Joaquim Valente, de quem se diz passar mais horas e dias por Lisboa que na Guarda, seguramente na defesa do concelho que lhe paga o salário, pese embora se desconheça o proveito e benefício de tanta viagem, devia estar atento a esta forma de requalificar e dar vida ao espaço público. Podia passear-se entre o Páteo da Galé e o Arco da Rua Augusta, saborear os cheiros do bacalhau e beber as sensações do cidadão que redescobre a baixa da capital. E descobrir. Descobrir que em todas as cidades há espaços assim; praças devolutas à espera de ideias; largos lúgubres que querem festa; ruas e ruelas, escuras de dia e de noite, que querem ser iluminadas pela alegria das pessoas, seja de dia ou de noite… como o Centro Histórico da Guarda. A Praça Velha não é o Terreiro do Paço, nem a Rua do Comércio é a Rua Augusta e muito menos a Rua Direita é o Rio Tejo, mas, mutatis mutandis, se em Lisboa se criam dinâmicas que levam a festa e a cultura e o lazer a um espaço que era “apenas” uma passagem para a outra margem, como diriam os Jáfumega, porque será que na Guarda isso não é possível? Como se explica que, por cá, continue a não haver ideias e vontades que alimentem um desiderato óbvio de dar vida à cidadela, às ruas e ruelas de São Vicente e da Judiaria, e à Praça, à praça que também é de Luís de Camões e da Sé Catedral, que já foi o centro nevrálgico da cidade e hoje não é mais do que uma praça velha, sem carros e sem vida. Porque os guardenses já nem vão ao centro da sua cidade. (Em janeiro apresentei uma proposta ao coordenador da APGUR, enquanto entidade coordenadora da animação no Centro Histórico, visando a promoção de um conjunto de iniciativas na Praça – um pacote de sugestões a implementar, com parceiros, durante os três meses de verão, em que todos os dias houvesse razões para as pessoas ocuparem a praça, para calcorrearem as ruas adjacentes, para conviverem, para degustarem produtos endógenos, para desfrutarem da cidade… – não mereceu aprovação. Ficou adiado…).

Luis Baptista-Martins

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