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Charlie: com ou sem filtro?

Foram crimes hediondos os que foram cometidos em França, contra pessoas, por energúmenos que seguiam, à risca, estúpidas, sexistas e ultrapassadas leis escritas em livros, ditos, sagrados por seguidores de um tal de Maomé.

Que não reste ao leitor a mínima dúvida de que condeno veementemente estes crimes contra os valores mais fundamentais de alguma civilização, onde felizmente nos incluímos.

Mas como não costumo embarcar nas carneiradas que fugazmente nos parecem fazer funcionar como povo unido, queria deixar aqui a minha opinião do que, me parece, deveria ser a liberdade de expressão – esse conceito tão propalado na sequência dos acontecimentos.

Deverá ser, a liberdade de expressão, um conceito absoluto ou relativo? Apesar de eu ser retinta, absoluta e indubitavelmente secular e ateu não venho para aqui, mês após mês, ano após ano, destilar maldade, emitir juízos ou criticar os meus concidadãos que vão a pé pagar promessas a Fátima ou que são clientes assíduos das missas dominicais ou que creem que existe um céu e um inferno e que a sua vida deve ser regulada pelo temor a Deus e que deverão sentir-se sempre mal com aquilo que dá prazer a qualquer ser humano, mas que costuma ser pecado. Isso seria obviamente falta de respeito para com uma imensidão de portugueses. Poderia de igual modo zurzir nos judeus, muçulmanos, budistas ou em quem quer que professasse uma religião; mas poderia também aborrecer sportinguistas e portistas ou quem vestisse amarelo ou usasse sacos de plástico e, já agora, porque uma imagem vale mais do que mil palavras e as pessoas não gostam muito de ler, poderia fazer uns cartoons onde ridicularizasse toda essa gente. Estaria a usar a minha liberdade de expressão de forma absoluta. E é aqui que a “porca torce o rabo”.

Quando usamos, como o Charlie Hebdo, este direito de forma absoluta, corremos o risco de termos uma resposta, por parte dos ofendidos, sem filtro e primitiva, coisa que todo o ser humano passa a ser quando lhe cai a capa do civismo, da tolerância e da paciência. O que o Charlie fez a milhões de muçulmanos foi humilhá-los, de forma obscena e descarada, reiteradamente. Mediram-lhes o pulso e testaram-lhes a paciência até ao limite fazendo “bullying cartoonístico”. Em pensamento até a mais simples dona de casa muçulmana terá desejado que estes não acordassem pela manhã, mas o pensamento permite-lhes esses pecados. O problema é que quando alguns homens, sem princípios, sonham, a resposta, musculada, acontece. E esta veio de uns bandalhos que se diziam representantes do “profeta”. A resposta ao massacre foi a consternação e a massiva saída à rua em protesto o qual abriu, ainda mais, o buraco civilizacional entre países que professam o cristianismo, mas que gostam de se dizer laicos, e a irmandade muçulmana.

A liberdade de expressão deverá ser sempre relativa e responsável, respeitando as pessoas ou as suas crenças (ou crendices).

A outra face da liberdade de expressão é a ausência de “expressão”. Muitos jornalistas por esse mundo, dito, civilizado, que também “são Charlie” têm-se esquecido de reportar as atrocidades do ocidente em países como o Afeganistão, a Síria ou o Iraque. Países destruídos, onde o recrutamento de jihadistas, que tudo perderam, pela irmandade radical muçulmana, é muito fácil. Muito poucos desmascaram os americanos e os seus negócios de guerra e droga; ninguém se quer meter com os poderosos judeus e as suas atrocidades na Palestina, porque estes são protegidos dos americanos. Muitos já se esqueceram que estes últimos apoiaram muitos senhores da guerra e da droga, da Somália ao Afeganistão, só porque teriam inimigos em comum a abater e que têm uma imparável máquina de guerra que se desloca de velho conflito para novo conflito a criar. O nascimento do maldito Estado Islâmico, que quer levar a nossa civilização de volta à idade da pedra, surgiu da vontade de unir todos os irmãos contra os ataques em solo pátrio dos infiéis da coligação. Porque não passam os Charlie Hebdo deste mundo a atacar diária, semanal ou mensalmente, com caricaturas o mais obscenas possível, tudo o que tenha a ver com o governo americano, britânico, alemão, israelita ou do Vaticano? Podem é ter a certeza de que, se se esticarem muito, as próximas visitas serão ainda mais cobardes e mortíferas e terão a chancela da CIA, MI5, Angela Merkel (em pessoa), Mossad, Guarda Suíça ou outras organizações obscuras. Mas com esses não se metem os Charlies, pelo menos de forma obscena e reiterada.

Por: José Carlos Lopes

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