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CGD pode vir a ser credora principal na Gartêxtil

Acórdão do Tribunal Constitucional considera inconstitucional prioridade dos créditos dos trabalhadores num processo de falência com hipotecas à banca

O calvário dos trabalhadores da Gartêxtil está para durar. A falência da empresa de confecções da Guarda-Gare ainda não foi decretada pelo tribunal, mas avizinha-se já uma nova luta pelo pagamento das indemnizações devidas à maioria dos 190 funcionários. É que um velho acórdão do Tribunal Constitucional (TC) está a fazer jurisprudência nos casos de falências em que existem hipotecas aos bancos. Com base naquela sentença de 2002, os trabalhadores deixam de ter prioridade na reclamação dos créditos em detrimento das entidades bancárias, que passam a estar na primeira fila para garantir a cobrança da respectiva dívida. Os operários, esses, terão que se contentar com o que sobrar.

Foi com base nessa decisão do TC que, no final de Novembro, a Caixa Geral de Depósitos viu o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) dar-lhe razão quanto à graduação dos credores no processo de falência das Confecções Ranking, no Soito (Sabugal). O que aconteceu pela primeira vez no distrito da Guarda. O despacho, a que “O Interior” teve acesso, alterou a hierarquia final estabelecida pelo Tribunal do Sabugal e colocou a CGD à frente dos trabalhadores, concordando com a inconstitucionalidade do «privilégio» conferido aos créditos dos funcionários em relação à hipoteca existente sobre o prédio fabril. O TRC aceitou como válida a argumentação de que a prioridade concedida aos trabalhadores «afecta gravemente os legítimos direitos do credor hipotecário com registo». Lê-se ainda que a sentença na primeira instância viola os «princípios da confiança e segurança, proporcionalidade e igualdade», previstos na Constituição, porquanto os créditos dos funcionários da Ranking não podem «ser oponíveis a quaisquer direitos reais anteriores ou posteriores aos débitos garantidos», isto é, à hipoteca. Resultado, a Caixa poderá vender o edifício para liquidar a dívida da empresa.

O problema é que este acórdão começa a generalizar-se nos tribunais que têm de lidar com processos de falência numa altura em que o caso da Gartêxtil está a caminho. A situação da empresa de confecções da Avenida de São Miguel, fechada desde Maio de 2002, é em tudo semelhante à da Ranking. A Gartêxtil não tem património financeiro e imobiliário para pagar dívidas e indemnizações, o imóvel está hipotecado à CGD e há grandes probabilidades de que venha a ser vendido para pagar a dívida do banco. Quanto às indemnizações esperadas há quatro anos pelos trabalhadores, elas serão pagas com base na verba que resultar da venda da maquinaria e veículos registados em nome da sociedade ou quaisquer outros bens móveis. O advogado do Sindicato Têxtil da Beira Alta (STBA) considera que com este acórdão do Tribunal Constitucional optou «pelos lucros das Sociedades Anónimas que gerem os bancos em detrimento da vida de sacrifício dos trabalhadores», mas confessa que há muito pouco a fazer para o contrariar. Para António Ferreira, o direito ao salário tem «muito mais dignidade que o direito ao lucro da banca e aos seus privilégios» e defende que os bancos não deviam conceder empréstimos às empresas com salários em atraso. Em qualquer caso restará sempre aos trabalhadores recorrer.

Trata-se de um rude golpe nas expectativas dos cerca de 190 funcionários da Gartêxtil, cuja única esperança de obter alguma compensação passa a estar no Fundo de Garantia Salarial, que dá até seis mil euros a cada trabalhador em caso de falência da empregadora. Mas também este Fundo, financiado com os descontos de empresas e pelo Estado, está esgotado por causa das inúmeras falências ocorridas nos últimos anos em Portugal. «Há muita gente que está há muito à espera de receber do Fundo de Garantia Salarial no distrito da Guarda», garante António Ferreira.

Luis Martins

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