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Celorico da Beira

Conforme as coisas pioram o que era mau antes é reavaliado para melhor, comparando as antigas com as novas circunstâncias. Se passar tempo suficiente passa a ser bom, primeiro, e depois excelente. Nada de muito estranho, se considerarmos que as sardinhas foram consideradas más para a saúde, depois nem boas nem más e agora boas, ou excelentes, o mesmo acontecendo com o azeite, o vinho tinto, a carne de frango e tudo o mais que vos ocorra.

Nada de grave, que é assim mesmo. As opiniões mudam, como muda o conhecimento das coisas, e ainda bem, sendo entretanto um triste sinal dos tempos que se dê mais relevância às incoerências que à busca da verdade.

Lembro-me, por exemplo, de como foi diabolizado Faria de Almeida em Celorico da Beira. De como a sua derrota nas eleições foi encarada como uma espécie de segundo 25 de Abril para o Concelho. É verdade que com ele Celorico era um buraco, como o era aliás Portugal inteiro. Não havia por lá empresas nem empregos que atraíssem gente de fora. Não havia desenvolvimento à vista e a excelente situação geográfica da sede do concelho parecia, sobretudo, um enorme desperdício.

Mas, e tenho de o dizer, nada estava estragado nem comprometido. A Câmara não estava endividada (tinha milhares de contos depositados a prazo) e tinha um quadro de pessoal equilibrado. Os milhões dos quadros comunitários de apoio iam chegar, ou continuar a chegar, e bastava um pouco mais de audácia para transformar a região num exemplo nacional. Havia tudo: a Serra, o Mondego, o IP5, a linha da Beira Alta, o futuro IP2, o possível TGV e agora a A25. Celorico podia ser a verdadeira plataforma logística da região e rivalizar com a Guarda.

Que temos agora? Uma câmara super-endividada, transformada artificialmente no maior empregador, directo ou indirecto, do concelho. Quanto a iniciativa privada, temos uma empresa têxtil, ameaçada como todas as outras, e a Delphi, na Guarda. Imaginemos agora que a falência nos EUA da Delphi se arrasta à Europa e obriga ao fecho da fábrica da Guarda; imaginemos que a Mey Têxteis não consegue continuar a resistir à concorrência chinesa e fecha as portas. Que futuro temos então para Celorico? A “indústria da noite”?

É fácil agora apontar culpados, como se isso adiantasse alguma coisa. Assim como é fácil listar inocentes, começando por Faria de Almeida, quando não há verdadeiramente nenhum, do mais analfabeto ao mais ilustre dos cidadãos. Pela acção ou pelo silêncio, todos têm a sua parte de culpa, mesmo que o actual elenco camarário mereça o benefício da dúvida e um crédito acrescido de respeito pelas muitas dificuldades que encontrou.

A verdade é que a margem de manobra está reduzida a praticamente zero e que Celorico se arrisca a ser um exemplo de escola de tudo o que de mau, e de muito mau, espera Portugal. Os erros pagam-se, de uma maneira ou de outra mas sempre com sofrimento.

Por: António Ferreira

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