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Catarse

Entrementes

No último sábado foi dia de catarse. Um fenómeno que não foi apenas de massas e que se propagou à comunicação social, e não só portuguesa, que passou largas horas a dissecar os porquês, a analisar as eventuais consequências, a entrevistar todo o bicho que se movesse. De repente, assim como que por milagre, parece ser importante ouvir o que o mais anónimo cidadão tem para dizer de microfone aberto…

Muita foi a informação veiculada. Muitos foram os “opinadores”, uns mais oficiais que outros, que entenderam dizer de sua justiça. Muitas foram as comparações. Destas últimas, talvez a mais recorrente tenha sido a de apontar como referência para os muitos que saíram à rua as manifestações do primeiro de maio de 1974. O que não se disse, depois de comparadas as multidões, foi que naquele tempo, o povo (conceito muito querido à época) se manifestava alegremente, enfim salvo do peso da canga que um regime velho de quase meio século lhe tinha imposto na cerviz. E isto faz toda a diferença. Desta vez, quem saiu à rua fê-lo em protesto, indignado, farto de ser o tapete onde aqueles que se intitulam dirigentes desta espécie de país limpam os chinelos depois de uma noite a matutar aturadamente mais umas maquinações para lhe esvaziar os bolsos. E vinham tristes. Mais tristes que o bom do Cristiano Ronaldo…

Este sábado não pode por isso ser comparado com o período pós-revolução. Agora nada se comemorava. Agora exigia-se. E entre as exigências, uma perpassava em tom de pergunta desconsolada: “E foi para isto que se fez abril?…” Ao lado, poeticamente, alguém respondia que sim, que abril já se cumprira e que agora bastava apenas cumprir Portugal…

Pois bem, o passado sábado foi mesmo dia de catarse. Alguns dos sinónimos para essa palavra são os de purificação, limpeza, purgação, evacuação. E foi tudo isso que nós, os que saímos à rua, quisemos dizer.

Quisemos exigir a purificação da função de dirigente do país. Quisemos dizer que não basta apenas prometer em tempo de campanha. Quisemos afirmar, de forma peremptória, que aqueles que nos governam devem prezar, como valor absoluto, a honra.

Quisemos exigir que a função de governante seja limpa. Que se faça com clareza perante aqueles que, no fundo, são os responsáveis por essa classe política desempenhar os cargos que desempenha. E esses somos todos nós…

Quisemos afirmar que é urgente purgar os males que continuam a contaminar a sociedade tornando-a mais e mais injusta.

Quisemos dizer bem alto que basta de exigir sacrifícios aos mesmos de sempre. Quisemos, no fundo, afirmar que não somos os peões de uma guerra que não comprámos. Que não somos carne para canhões que não são nossos.

E não nos venham dizer que Portugal é país de brandos costumes porque até os mais pacientes e pacatos cidadãos atingem os seus limites… Não nos venham com essa conversa de que os portugueses entendem os sacrifícios que lhes estão a ser pedidos. A isso chama-se hipocrisia ou, pior ainda, mentira compulsiva…

Por: Norberto Gonçalves

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