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Carpinteiro

observatório de ornitorrincos

Profissão enobrecida desde que um dos seus representantes adoptou o Filho de Deus. Também Jesus a exerceu, passando dias com o seu pai adoptivo a pregar cadeiras antes de ter idade para rumar ao deserto e pregar sermões. Não é por acaso que os verbos das acções são homógrafos. Até porque ambas exigem a força de um martelo.

O trabalho de objectos em madeira obriga a uma rigorosa aprendizagem de técnicas de execução. Ao mínimo erro de cálculo, o resultado final será imperfeito. Um carpinteiro de boa qualidade deve conseguir, sem falhas ou hesitações, respigar a madeira, lixar a superfície e segurar o lápis na orelha. Quem se quiser lançar na actividade da carpintaria deve estar preparado para o esbanjamento. Tal como George Clooney durante as filmagens de mais um Ocean’s Dezasseis ou Dezassete, um carpinteiro exigente desperdiça todos os dias variadíssimas lascas que outros aproveitariam sem pestanejar.

Esta profissão tem a vantagem de poder ser exercida por pessoas com as formações mais variadas. Já foi até possível, como vimos com Jesus Cristo, ser carpinteiro sem nenhum tipo de qualificações formativas. Há 2000 anos, bastou ser filho de uma divindade. Se em vez de Herodes, a Palestina fosse ao tempo governada por Sócrates, nem os milagres tinham valido a Jesus. Ou se inscrevia no programa “Novas Oportunidades” ou ia pesar tâmaras para o Templo de Jerusalém.

A carpintaria deve estar, por princípio, vedada a potenciais suicidas, homicidas latentes e manetas. Os últimos pela dificuldade óbvia de pegar numa plaina sem o polegar oponível. A serra e o escopro exigem já licença de uso e porte de arma, pelo que, para se ser carpinteiro, deve-se ser capaz de passar nos rigorosos testes de “prego ao alvo” e “manuseamento do torno em segurança”. A carta de condução de rebarbadora é opcional, mas um carpinteiro com esmero profissional deve ser adequadamente rebarbado. A procura por parte dos clientes de artífices com sensibilidade verrinosa de machista javardo talvez explique a ausência de mulheres na lista dos cinquenta melhores carpinteiros do mundo publicada pela “WWW – Wood Work Weekly”. Ninguém imagina a Jessica Alba de fato-macaco e óculos de protecção na testa a dizer em surdina a uma cliente que sai do barracão: “Faço-te uma cadeira, faço. Faço-te é um filho em cima da mesa.” Carpintaria de elite é isto. A entrada das mulheres no escol da corporação prevê-se complicada para os próximos anos.

Um bom carpinteiro deve especializar-se numa classe de produtos. Não deve fazer indiscriminadamente portas e dildos. Mas se fizer, deve ter o cuidado de não deixar estilhaços de madeira nos objectos. A aptidão mais comum é a produção de mobiliário, pelo que se aconselha aos principiantes da profissão que optem pela inovação. Criar em madeira objectos que usamos todos os dias pode ser a chave do futuro. Um telemóvel em pinho ou um disco de DVD em contraplacado e o êxito está à porta. A não ser, claro, que a porta seja de alumínio.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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