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Carga colossal

Editorial

Vem aí a maior carga fiscal de sempre. Já todos ouvimos falar dela. Tanto que há uma depressão coletiva que nenhum antidepressivo pode curar. Não há sofá de psicólogo que possa reverter a situação. Não há expetativas, nem sonhos, porque os sonhos partiram e deixaram um rasto de medo, de temor por tudo o que acontece, por tudo o que poderá acontecer.

É uma carga fiscal tão grande que está impregnada de coação, mas cuja dimensão vai muito para além da fiscalidade. Há cortes por todo o lado. Há cortes na saúde, na educação, nas deduções fiscais, nos salários e pensões. Mais preocupante: vai haver rescisões na função pública, na ordem dos milhares de trabalhadores. E vai haver mais desemprego. Num país que já tem um milhão de desempregados – com cortes no subsídio. E vai haver mais despedimentos também nas empresas públicas. E falências. E recessão. Mais recessão.

E há ainda o risco político. Os últimos dias mostraram que o golpe palaciano movido pelo CDS e pelos “vingadores” do PSD contra o ministro das Finanças falhou. E falhou em primeiro lugar porque quem manda é Vítor Gaspar. E manda porque quem manda no país é a “troika”. E enquanto Gaspar não perceber que a austeridade está a matar a economia e a sociedade, obviamente que a “troika” também não irá aliviar a pressão. Na verdade, os salários estão a ser pagos pelos credores. E por muita manifestação que se faça, enquanto assim for nada mudará. Falta saber até que ponto aguenta um governo contestado por todos. Até que ponto resiste um primeiro-ministro acossado e que já não tem quem o defenda. E, pior, até que ponto aguentam os portugueses perante o cerco “colossal”.

Se durante anos os portugueses com salários mais baixos ficaram dispensados de pagar IRS, com este Orçamento os impostos chegam a todos. Mas provavelmente nem assim o país irá atingir as metas contratadas, nomeadamente a redução do défice para 4,5 por cento. Porque entre o “chumbo” à concessão da ANA e o adiamento da privatização da TAP, as contas podem mesmo derrapar.

Perante o cenário de miséria que nos é traçado diariamente pelas notícias, mas especialmente por comentadores, “especialistas” e antigos governantes, só restam dois caminhos: emigrar ou erguer uma nova esperança. Mesmo sem contar com o governo, que há muito se percebeu que é inapto, nem com os políticos – os do passado que nos levaram para o precipício ou os do presente que são incapazes de fazer o que seja – temos de contar com a força e capacidade de adaptação das pessoas. Com a energia e suor dos trabalhadores. Com a audácia e vontade dos empreendedores. Com a capacidade dos investigadores. Com a inteligência de tantos que tanta coisa podem fazer pelo país. Porque temos de acreditar que sim, que para além da espiral destrutiva que os nossos governantes nos legaram, que para lá do empobrecimento preconizado, que para além da morte anunciada há vida.

Há um ano os portugueses acreditavam. Há um ano a maioria dos portugueses estava mobilizada para salvar o país. Hoje, a maioria das pessoas só se quer salvar a si própria. E à sua família. Mas se há um ano os portugueses acreditavam que os sacrifícios iam valer para alguma coisa, hoje têm de voltar a acreditar que é possível, mesmo com o garrote de Gaspar e o estrangulamento de Passos. 2013 não pode ser tão mau como os “senadores” da Nação proclamam, como se desejassem que quanto pior melhor. E está nas mãos de todos e cada um dos portugueses ser tão mau como dizem ou muito melhor do que alguns desejam. É tempo de começarmos a acreditar, mesmo quando não há nenhum fundamento racional para acreditarmos. Não podemos morrer na praia.

Luis Baptista-Martins

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