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Bilhete Postal

– Bom dia! – nem um sussurro, nem uma resposta. Assim começa a minha manhã. Povo taciturno, deselegante e mal-educado! – Pensei!

Aguardo na paragem do autocarro que tem uma poça de água na frente. Molha-me o primeiro carro, o segundo e depois todos os seguintes. Afinal eles não percebem que está ali aquela água e estou ali eu? Um desvia-se da água e sorri-me. Percebo que todos os outros viram. Povo estúpido! – Pensei.

A conduzir estes tipos são uns animais irracionais: sem respeito, sem gentileza, sem antecipação do perigo, sem amabilidade. O que fazem que é amável é uma imposição do código que alguns cumprem. Gestos gratuitos de simpatia são raros e podemos contar pelos dedos ao longo da jornada. Porque levarão tanta pressa? Porque não dão passagem a ninguém? Porque não facilitam a vida doutros? Porque estacionam em lugares de cidadãos diminuídos? Porque ocupam o espaço das grávidas? Porque nos fazem sinais de luz se vamos bem? Porque estacionam impedindo o trânsito mesmo havendo onde estacionar? Povo impertinente, egoísta, incorreto e insurreto. Estou afirmativo, sem dúvidas neste momento.

Um povo que não fala muito alto, ao contrário dos espanhóis, que não gesticula em excesso, ao contrário dos italianos, que não sorri nem acena, ao contrário dos orientais, que atende os clientes com ar carrancudo, ao contrário dos americanos. Há algo que não bate certo neste povo taciturno, triste, infeliz e quezilento. Há uma desconfiança ancestral na forma como se abordam as opiniões, uma presunção ignorante que faria corar qualquer um que estudasse.

Estou a falar de um povo que cospe na rua, que escarra sem vergonha, que buzina sem melindre, que insulta os filhos dos outros nos campos desportivos, que entra nas repartições sem cumprimentar, que aplaude feliz os espetáculos públicos medíocres dos filhinhos, que lhes desculpa a deselegância com os superiores. Também é uma gente onde qualquer um que tenha um degrau de poder o exerce de forma repreensível, favorecendo os seus, prejudicando os outros, distribuindo vaidade, arrogância e usufruindo destemido de muito mais do que lhe cabe por direito. Recebem todos pouco, os que mandam, os que obedecem, os que fazem política. Assim é uma gente que desvia o mais que pode, que mete no bolso, que acha normal o pequeno roubo e se indigna com a grande fraude. Perdoam os seus familiares ladrões, recebem-nos em casa, aceitam o convívio com os filhos e primos que andam por maus motivos na imprensa e televisão. Porque ganham pouco, criam complementos salariais e direitos inacreditáveis para melhorar a condição. Trabalham em vários lugares para complementar o salário. Não cumprem com garbosidade em todo o lado porque as horas de dormir e trabalhar são mais que as horas do dia.

Este povo tem dois fanatismos agrestes: o do futebol e o da política. Os dois são clubísticos. O facto de ser de uma determinada agremiação dá título de bom pai de família, ou retira qualidades no outro lado da rua.

Vivi neste país durante vários anos mas não recordo o nome: alguém me ajuda?

Por: Diogo Cabrita

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