O Manuel é operário numa empresa que fabrica componentes para a indústria automóvel. O seu trabalho é verificar se as peças que saem da linha de produção estão conforme as especificações. Sabe que as peças que verifica se destinam aos carros montados numa multinacional e que são uma parte importante do seu sistema electrónico. O Manuel é um bom operário. Não falta a não ser quando está mesmo doente e já apareceu ao serviço em piores condições do que outros que estavam de baixa. Chega a horas e procura fazer bem o seu trabalho. É sindicalizado e exige e espera respeito pelos seus direitos. Nas reuniões com a administração da empresa fala com franqueza e sem medo de represálias, mesmo que o ambiente se encontre crispado ou que as posições das partes pareçam muito distantes. Quando assim é, procura não ser intransigente e pensa em caminhos para se aproximar das posições da outra parte sem malbaratar as suas. O Manuel sabe, finalmente, que para poder manter o seu emprego e a sua qualidade de vida é preciso que a empresa, de que sente fazer parte, se mantenha de boa saúde.
O Joaquim é administrador da empresa em que trabalha o Manuel. Está preocupado com a diminuição de encomendas dos produtos que fabrica, mais propriamente um terço em relação aos números de 2008 – e ainda vamos no segundo trimestre. Não há qualquer possibilidade de fabricar outro tipo de produtos, que as linhas de produção são demasiado específicas, nem vale a pena procurar encomendas de outras marcas que aquelas para as quais trabalha habitualmente, que a crise está generalizada. O Joaquim sabe que precisa de reduzir custos urgentemente, mas procura afincadamente que essa redução de custos não seja feita à custa dos trabalhadores. Custou-lhe muito tempo e dinheiro reunir e formar um bom conjunto de operários, em quem deposita total confiança, e tem medo das consequências de os perder ou desmoralizar. Sabe também que o sucesso da empresa a eles é devido, em grande parte, e seria uma grande injustiça mandar mesmo que uma pequena parte para o desemprego. É por isso que procura diminuir os encargos por outras vias, poupando nos custos energéticos, nas despesas de representação, na frota automóvel, fazendo dia a dia o que outros chamariam milagres mas que para ele não passa de boa gestão. Sabe ainda, o Joaquim, que se mesmo assim for preciso pedir sacrifícios aos trabalhadores, para se aguentar a passagem destes tempos difíceis, eles aceitarão e o barco, em que estão todos, acabará por chegar a bom porto.
O Manuel e o Joaquim são, lamento dizê-lo, personagens de ficção. Inventei-os agora mesmo, numa quente noite de finais de primavera em que não tinha nada de melhor para fazer. A nossa realidade é bem menos idílica, que em muitas das nossas empresas está em curso uma guerra entre empresários e trabalhadores. Uns chamam-lhe luta de classes, outros, à falta de melhor nome, chamam-na de luta pela sobrevivência. Ninguém vai ganhar, digo eu, se é que o século XX nos ensinou alguma coisa.
Por: António Ferreira
