«Infelizmente, em 2003 e 2005 arderam muitas casas e houve mortos mas, passados dez anos, parece que nada mudou». As palavras são de Paulo Sequeira, comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Egitanienses (AHBV), no rescaldo do incêndio que há duas semanas “pintou” de negro o Vale do Mondego.
A humidade baixa, o vento forte e as temperaturas elevadas dificultaram o controlo do fogo, que se desenvolveu muito rapidamente. «Trata-se de acessos que, mesmo em condições, são difíceis», sublinha Paulo Sequeira, acrescentando que «o incêndio desceu pela encosta e numa hora estava em cima da aldeia». Todavia, não foram apenas as condições meteorológicas que complicaram o trabalho dos bombeiros: «Há sítios sem qualquer trabalho de prevenção e faixas que não cumprem as margens de segurança obrigatórias por lei, ainda hoje é visível na zona não ardida», aponta o responsável. «O investimento tem de ser feito na prevenção, em zonas de refúgio e em caminhos mais viáveis», considera. Segundo Paulo Sequeira, os bombeiros atuaram na proteção de 15 habitações, uma vez que «numa situação em que as chamas ponham em risco pessoas e bens deixamos o combate florestal». Confrontado com as críticas de alguns moradores, o comandante sublinha que «foi-nos impossível chegar a todo o lado, o fogo atingiu a população nas primeiras duas horas e os reforços demoraram algum tempo a chegar. Compreendemos as críticas, porque quem espera desespera», declara.
O incêndio terá ameaçado no dia 14 de agosto em cinco pontos distintos, tendo sido combatido pelos bombeiros de Guarda, Celorico da Beira, Melo e Gonçalo, com a ajuda de populares. «Não houve canarinhos no terreno como foi dito», informa Paulo Sequeira, assegurando que «esteve um veículo dos bombeiros em vigilância». O fogo viria depois a ganhar força redobrada por volta das 13 horas do dia seguinte, quando deflagrou em três sítios distintos. O comandante acha «estranho» que este tenha tido tantos pontos de origem em simultâneo, pelo que «falta a investigação das autoridades, que certamente já estão a fazer esse trabalho», acredita. Entretanto, o fogo em Aldeia Viçosa acabou por revelar explosivos escondidos numa habitação, uma vez que os mesmos acabaram por rebentar quando as chamas tomaram a casa.
«O proprietário é familiar do indivíduo já conhecido e que está preso por uso indevido de explosivos», adiantou o capitão Cura Marques a O INTERIOR, numa alusão a António Tapada Almeida, conhecido por o “Ruço” ou “Bin Laden das Beiras”, condenado em 2004. «Há sempre boatos, mas não tendo fundamento, não seria possível investigar», justifica o oficial da GNR, salientando que os explosivos não teriam sido descobertos «se não tivesse havido um incêndio». O caso foi registado em direto pela televisão do Correio da Manhã, sendo que irá «demorar algum tempo» até ser determinado o tipo e a quantidade dos explosivos.
Quanto aos prejuízos deixados pelas chamas, a Câmara da Guarda adiantou a O INTERIOR que «a GNR solicitou aos presidentes de junta o levantamento dos prejuízos a fim dos mesmos serem enviados para o tribunal para dar início a um processo». Depois dos moradores de Aldeia Viçosa denunciarem o não funcionamento das bocas-de-incêndio e do chafariz, a autarquia garante que «nesse mesmo dia (15 de agosto), o SMAS resolveu a anomalia».
Incêndios em Trancoso e na Covilhã
Um incêndio em mato lavrou na última semana em Trancoso, do qual resultaram três bombeiros feridos. Um dos “soldados da paz” foi mesmo transportado para Coimbra devido à gravidade dos ferimentos resultantes do rebentamento de uma botija de gás, num fogo em Zabro (Trancoso), tendo regressado para o Hospital da Guarda na manhã da passada quinta-feira. O incêndio, que teve início na manhã do dia anterior, foi combatido por 103 bombeiros apoiados por 27 veículos numa zona de declives acentuados e acesso difícil. A Câmara de Trancoso solicitou ao Governo que declare calamidade pública no concelho, face à extensão da área ardida e aos prejuízos. O fogo atingiu as freguesias de Moreira de Rei, na sua quase totalidade, Souto Maior, Cogula, Vale do Seixo e Valdujo, numa extensão de cerca de dois mil hectares, estimando-se dezenas de milhares de euros os prejuízos causados.
Por seu lado, os acessos complicados dificultaram a tarefa dos bombeiros no combate ao incêndio que lavrou no final da semana passada na encosta da Serra da Estrela sobre a cidade da Covilhã. O fogo, que seria dado como dominado no sábado, reduziu a cinzas parte significativa da encosta desde a madrugada de sexta-feira, tendo motivado a evacuação do Parque de Campismo e do Hotel Varanda dos Carquejais devido à proximidade das chamas. O incêndio, que atingiu grandes proporções, mobilizou 223 bombeiros, 64 veículos e oito meio aéreos no combate às chamas. Na última segunda-feira, Carlos Pinto, presidente da Câmara da Covilhã, apelou em conferência de imprensa à GNR para proceder «à verdadeira caça que é preciso fazer a estes incendiários». Para o autarca, os últimos fogos têm «mão criminosa». De acordo com o levantamento preliminar, os dois incêndios destruíram registados no concelhos mais de três mil hectares de mato, floresta e propriedades agrícolas.
Fumo dos incêndios contém substância cancerígena
Os incêndios podem ser altamente perigosos para a saúde pública. O alerta foi deixado por uma investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (CESAM), que, em declarações ao jornal i da passada terça-feira, revelou os dados de um estudo feito no meio das equipas de combate aos fogos florestais.
Célia Alves explicou que durante um estudo realizado junto das equipas de combate aos fogos florestais, «foi detetada a presença de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos», uma substância «altamente cancerígena» e «prejudicial para a saúde humana». Aliás, segundo uma outra investigação que data de 2012, estes fumos tóxicos foram responsáveis por cerca de 340 mil mortes por ano em todo o mundo. A investigadora do CESAM manifestou-se preocupada com os custos e com a dificuldade de realizar estes estudos no terreno.
Pimeiro-ministro garante que meios de combate são adequados
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, assegurou anteontem que os meios dedicados ao combate aos incêndios são os adequados e lamentou a morte de quatro bombeiros, dizendo-se solidário com o trabalho feito.
O chefe do Governo esteve na Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) para ser informado do ponto de situação dos incêndios em Portugal. Em declarações aos jornalistas, no final da visita, Passos Coelho deixou a garantia de que, apesar das dificuldades financeiras, os meios no terreno «são os considerados adequados». «Vivemos tempos de dificuldades financeiras graves, mas isso não impediu que se mantivesse todo o esforço de despesa orçamental que foi feito em anos anteriores no combate aos incêndios. Nós não aliviámos nem nos descuidámos nos meios que estão disponíveis para intervenção no terreno», assegurou Passos Coelho.
Sara Quelhas