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Cadáveres Urbanos

Todas as cidades têm as suas chagas, na forma de prédios abandonados ou em mau estado. O pior é quando esses prédios se situam nas suas zonas mais nobres, transmitindo aos seus cidadãos e aos visitantes a ideia de que não apenas esses prédios mas a própria cidade perderam viabilidade. Há a desculpa de que o centro nevrálgico da cidade se foi deslocando para a periferia, preço a pagar pela especulação imobiliária, ou que então que se perdeu simplesmente, por esse e outros motivos, como na Covilhã.

Seja como for, todas as cidades têm a sua “sala de visitas” e a obrigação de a manter apresentável, sem chagas demasiado visíveis, e aquelas que mantêm esse brio vão conseguindo resultados. Recordo por exemplo o trabalho feito nas duas margens do Douro, recuperando o Cais de Gaia e a Ribeira. Ou então em Évora, ou no centro histórico de Guimarães.

Também há a cidade da Guarda. A zona mais alta e nobre da cidade, no planalto que abrange a cidadela medieval e o centro “alargado”, quase escapou à fúria dos empreiteiros. Parte dela, como por exemplo a judiaria, e a mouraria, foram alvo de alguma recuperação e estão hoje melhor do que antes do 25 de Abril. É verdade que foram cometidos excessos, ou foram adoptadas soluções muito discutíveis (ou simplesmente más), como na repavimentação da Praça Velha, mas nota-se o trabalho.

O pior é que nesse centro alargado da cidade se mantêm pública e notoriamente alguns vergonhosos cadáveres urbanos. O Hotel de Turismo é um dos mais notórios, e foi mesmo objecto de promessas eleitorais – ainda não cumpridas. Continua encerrado e a apodrecer. O telhado cairá, mais tarde ou mais cedo, e o resto irá degradar-se ao ritmo a que se estragam as coisas que não são mantidas nem utilizadas. O mesmo com o Cine-Teatro da Guarda, abandonado há mais de vinte anos e também ele periodicamente objecto das atenções precárias dos políticos. Também o solar Teles de Vasconcelos parece regressar ao abandono, depois de um breve período de utilização, como os seus jardins, vandalizados e desprezados ao longo de tantos anos e de que nunca se tirou verdadeiramente o partido que merecem. Temos ainda os nados-mortos, como o hediondo edifício de que a Câmara autorizou a construção numa das esquinas do largo Marquês de Pombal e que continua devoluto, e feio como nunca, trinta (ou quarenta?) anos depois.

E há também, neste capítulo, a ameaça de que o novo Hospital se transforme noutro nado-morto, fruto de um lamentável somatório de indecisões e incompetência. Indecisões, incompetência e desleixo de que são culpados, neste caso como em todos os outros, tanto a Câmara Municipal ou os organismos públicos competentes, como os privados que especularam de rédea livre no coração da cidade.

Por: António Ferreira

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