A semana passada foi inicialmente muito positiva para o Governo: os juros da dívida portuguesa desciam, o Banco de Portugal revia em alta as projeções para esta ano e para 2015, o crescimento está ao virar da esquina, a Europa «confia» em Portugal… Não fosse o INE apresentar o retrato do país e o milagre pareceria mesmo estar a acontecer.
O risco de pobreza e a miséria em que vivem cada vez mais portugueses vem contrariar todo o otimismo que os governantes queriam ver em algumas boas notícias económicas. Para Portugal sair do buraco teve de aceitar um processo de «ajustamento interno» violento e destruidor da sociedade. E depois de tantos sacrifícios o que fica? Perante a falta de assertividade na política de austeridade em que vivemos desde 2011, devemos apelar a mudanças na opção de empobrecimento de um povo que vive com cada vez menos.
O retrato do INE mostra que a fome bate à porta de muitos e a miséria assola cada vez mais. A pobreza já atinge dois milhões de portugueses.
Mas não são apenas os mais pobres a sentir o sufoco do ajustamento. A guilhotina está sobre o pescoço de cada vez mais pessoas, sobre a classe média, sobre a generalidade dos trabalhadores. Os números do INE não são perfeitos, mas são elucidativos. No atual contexto, o risco de pobreza nos desempregados ultrapassou a barreira dos 40 por cento; 27 e meio por cento dos portugueses (mais de um quarto da população) vivem em risco de pobreza ou exclusão social; 28 por cento não têm dinheiro para poder aquecer a casa; 60 por cento não podem pagar uma semana de férias em todo o ano; quase metade dos portugueses (44 por cento) não tem como fazer frente a um imprevisto ou uma despesa inesperada de 400 euros sem recorrer a um empréstimo. Perante isto, o governo promete mais cortes.
Como escreveu Miguel Sousa Tavares, Portugal é o país da Europa (e porventura do mundo) com mais baixa taxa de natalidade, o que não surpreende, pois, hoje, os pais que têm filhos estão ameaçados de pobreza por os terem. O maior drama que os dados do INE identificam tem a ver com o futuro: os desempregados, os desempregados jovens e sem horizontes e os pais que têm filhos, sem apoios e com rendimentos diminuídos e cujo futuro foi destruído pela austeridade.
Por triste coincidência, se Portugal passou a ser o país com mais baixa taxa de natalidade da Europa, a NUT Serra da Estrela (concelhos de Seia, Fornos de Algodres e Gouveia) passou a ser a microrregião com menos nascimentos da União. E não é por não querem ter filhos ou falta de apetite sexual dos “serranos”, é mesmo por penúria e carência económica: o rendimento per capita dos habitantes daqueles três concelhos é o mais baixo da Europa, 8.300 euros. Estranhamente, por cá, ninguém pareceu ficar muito surpreendido com o facto de a Serra da Estrela ser a região mais pobre da Europa (o Bispo da Guarda terá sido provavelmente o único a mostrar-se preocupado com esses dados); ninguém protesta nem pede responsabilidades; um triângulo que historicamente era muito desenvolvido (mais do que outros concelhos), com indústria, com equipamentos, recursos para serem explorados e porta para o turismo na Serra foi definhando e empobrecendo ao longo dos últimos 25 anos tornando-se na região mais pobre da Europa… como?
Luis Baptista-Martins