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Cada vez mais longe

Editorial

1. A crise e as suas diversas consequências tolhem o raciocínio e a perceção da própria realidade. As prioridades estão a ser alteradas e condicionadas pela emergência de novas dificuldades, pelo empobrecimento, pelo medo. Os portugueses são hoje confrontados com circunstâncias nefastas e difíceis de ultrapassar. Mais pobres e inseguros, não sabem para onde se virar.

Durante gerações sempre houve um otimismo razoável sobre o futuro. Acreditava-se que “o amanhã” seria melhor, como um valor absoluto e sempre com expetativas positivas. Mesmo os mais conservadores ou pessimistas acreditavam no crescimento, no progresso, na evolução da sociedade como um todo e na melhoria da qualidade de vida individual de cada cidadão. Com a queda do Lehman Brother’s, há quatro aos, tudo mudou. E a maioria dos dirigentes e políticos por todo o mundo não souberam interpretar essa mudança. Em Portugal, a forma como se lidou com a nova realidade, com as mutações brutais que se sucederam, foi trágica e com consequências ainda imprevisíveis. Do colapso da economia à bancarrota do país foi tudo num ápice vertiginoso que nos deixou nas mãos dos credores externos. A irresponsabilidade tomou conta do poder e, por entre a barafunda, não há ideias para um rumo, para um caminho, que premeie o esforço e os sacrifícios. Abnegadamente, e ainda que por uma única vez, vamos acreditar nas palavras de Passos Coelho, de que em 2013 já haverá uma luz no fundo do túnel.

2. Precisamente porque perante as condições do país já ninguém reclama ou defende causas – para além das dos direitos adquiridos ou as corporativistas – deixou de ter relevância ou “força” a defesa do interior. As assimetrias regionais que podiam ter sido corrigidas durante os tempos de bonança foram aumentando e Portugal é cada vez mais um país de realidades antagónicas: de um lado o litoral, que continua a desenvolver-se e a crescer, e do outro o país da interioridade, subdesenvolvido, pobre e cada vez mais abandonado. A desertificação ou o êxodo rural são consequência das más políticas de administração do território e vai ser cada vez mais difícil contrariar esta ancestral inclinação para o mar. Quando vemos como as portagens da A25 são mais caras que as da A5 entre Lisboa e Cascais e ninguém levanta a voz e se mobiliza contra isto, que fazer por esta região? O estado do país que o “Indicador Concelhio de Desenvolvimento Económico e Social de Portugal” (estudo produzido pelo Observatório para o Desenvolvimento Económico e Social da UBI) retrata bem a desigualdade entre interior e litoral. E se entre os 308 concelhos do país Almeida surpreende no 36º lugar (graças à fronteira com Espanha), que dizer dos demais concelhos da região? Que dizer da Guarda que há três anos estava num razoável 67º lugar e agora passou a ter uma perceção de qualidade de vida 139ª? Ou da Covilhã, que mesmo melhorando vários serviços, continua tão atrasada em vários itens que aparece no ranking em 202º lugar? O subdesenvolvimento, o encerramento das poucas empresas que vão sobrevivendo no interior, o consequente aumento do desemprego e a diminuição do poder de compra determinam uma “fraca” qualidade de vida nos concelhos da região.

PS: A passagem de ano ficou marcada, na imprensa regional, pelo abandono de Fernando Paulouro Neves da direção do “Jornal do Fundão”. Ninguém como ele resumia a região, as pessoas e os seus problemas, a sociedade e a cultura, muito para além das páginas do jornal, ele era (é) o melhor cronista, o melhor retratista da região. Despediu-se do seu «poema coletivo» com um “Post-Scriptum a um Ponto Final” onde deixou uma lição de jornalismo e do exercício do jornalismo – porque «escrever é estar contra, dizia Barthes, e o JF foi sempre a favor do contra, como um dia disse Baptista-Bastos»… Mas estando sempre contra estava sempre a favor: a favor das pessoas, da região e «a favor de um país, “com olhos e com boca”, aonde o puro pássaro seja possível (Rui Belo)». Não é só o JF que fica mais pobre com a sua saída, é toda a imprensa, em especial a tão depauperada imprensa regional.

Luis Baptista-Martins

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