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Brumário

1. A história é exemplar. Há meses, organizado pelo CRSS da Guarda, decorreu um passeio de barco pelo Douro, entre Barca d’Alva e o Pocinho. Os passageiros eram crianças do distrito oriundas de famílias carenciadas. O evento teve mesmo honras de reportagem na SIC. Para que conste, devo dizer que nada tenho contra estas iniciativas. Bem pelo contrário, sou apologista de que, com as crianças, a generosidade nunca é demais. Mas o passeio teve um protagonista: o inefável José Albano. Para quem não sabe, trata-se de um verdadeiro artista. Depois de algumas peripécias, resolveu “entrar para o política”, como se diz em bom vernáculo. E em boa hora o fez. Pois apadrinhado nos locais certos da nomenclatura socratina, e graças a alguns malabarismos, chegou à presidência da Federação Distrital do PS. E daí até aparecer como número dois da lista concorrente às legislativas foi um passo. E eis como alguém sem competências profissionais, científicas ou cívicas de vulto chega a deputado da Nação!… Se lerem alguns capítulos de “Uma Campanha Alegre”, de Eça de Queirós, depois incluída nas “Farpas”, saberão o que é preciso fazer para se chegar ao cargo. Naquela época tanto como agora. Mas eis que, passado um ano, Albano deserta do hemiciclo e dos calores da capital. Para regressar então ao torrão natal. Para explicar o sucedido, várias hipóteses se colocaram: um epígono de Jacinto regressado a Tormes? Um arroubo de consciência pô-lo a dar assistência gratuita ao seu eleitorado? Um caso exemplar de renúncia aos bens terrenos, antes de um voto de pobreza? Tudo possibilidades comoventes, não haja dúvidas!… Porém, desenganem-se desde já, caros leitores! Albano não dorme em serviço! Regressou, sim! Mas com os olhos postos na sinecurazinha da ordem que lhe acenava, fremente, à sua espera. Sabem qual? A Direcção Regional da Segurança Social da Guarda!… Neste ponto, confesso que estou quase a chorar… Mas a história, pelos vistos, só agora começou. Para o nosso herói, o momento é propício a que a política não política seja a continuação da política. Ou seja, que o exercício de um cargo não político na Administração seja a continuação da política por outros meios. E Clausewitz que me perdoe estes abusos de exegese. Mas voltemos ao tema que aqui me traz. Qual o significado da exposição mediática de Albano no passeio? Decerto o ex-deputado não se chegou à frente para dar uma Ted Conference, numa paisagem de luxo, sobre um tema a propósito. Até porque tenho dúvidas que a criatura saiba o que isso seja. Não tenhamos ilusões. O novo Director resolveu fazer política pura e da forma mais demagógica e rasteira que é possível. Como já dei a entender, a iniciativa poderia ter decorrido sem os holofotes da comunicação social por perto. Para isso, bastaria que o Director não estivesse lá. Logo isso demoveria a comunicação social de aparecer. Havendo declarações do responsável regional, fá-las-ia fora do contexto físico da actividade. Mas o nosso Albano não resistiu aos holofotes. Nem sequer lhe passando pela cabeça que as crianças, assim expostas numa acção que deveria ser tão-somente de sensibilização, podem ser objecto de estigmatização no futuro. E que ele não está a dar nada a ninguém que lhe saia do bolso, mas tão só a gerir recursos públicos para fins assistenciais. E que a primeira qualidade do benemérito (que ele não é, nem nunca será) é a humildade.

2. Na sua ânsia desburocratizante, o Governo esqueceu-se de um serviço básico, esse sim, incompatível com delongas e papelada: morrer. Devo dizer, antes de mais, que hoje é incomparavelmente mais fácil, por exemplo, criar ou alterar uma empresa ou associação, registar transmissões de determinados bens, comprar casa, fazer um divórcio, pagar impostos (custa sempre, mas basta fazer um clique ou dois), consultar esses dados e corrigi-los, etc. Tudo o que facilite a vida aos cidadãos e empresas é de louvar. Então e a morte? Não é um direito básico poder escolhê-la? Quando todo os outros são negados ou impossíveis de realizar, não é esse o último reduto da dignidade? Proponho então que seja criada a “Morte na Hora”. Um serviço integrado, universal, onde qualquer cidadão poderia planificar o seu decesso. Uma espécie de eutanásia à la carte. E como funcionaria? Muito simples. Caso o utente optasse por uma das modalidades pré-definidas (ser mordida/o por uma serpente venenosa, enquanto chamava uma série de nomes feios ao chefe onde trabalhou toda a sua vida, por exemplo) o serviço seria grátis. Caso quisesse uma coisa mais elaborada (opor-se a que a sogra fosse ao funeral, ou pretender ser infiltrada/o numa zona controlada pelos mujahedine e declarar bem alto que o Profeta tinha mau hálito, por exemplo), teria que desembolsar os euros respectivos. Como diz a canção “o sonho comanda a vida”, o que cabe aqui inteiramente. Em qualquer caso, para desencadear o processo, bastaria a vontade correctamente expressa do cidadão, manifestada de forma livre, esclarecida e sem dependência de terceiros. Tudo o mais seria planeado e executado de forma expedita e sigilosa. Não fosse o diabo tecê-las…

3. No Portal Sapo existe uma secção chamada “sapo zen”. Fui ver do que se tratava. Deparo então com uma série de “temas” em destaque, com os links respectivos: horóscopo, espiritualidade, auto-ajuda, terapias e astrologia. Os visitantes têm igualmente a possibilidade de ficar a conhecer as previsões da taróloga Vera Xavier acerca do Tarot para os signos do Zodíaco. Mas o “créme de la créme” consta de uma converseta em vídeo com Heloísa Miranda sobre, adivinhem, os signos! Isso mesmo! Tudo isto debaixo de uma sonoridade new age, ao gosto do freguês e da freguesa. Ok. E o que tem tudo isto a ver com o zen? Talvez a necessidade de uma santa paciência para assistir a este consumismo frenético que se dá ares de espiritual, mas que, no fundo, se resume ao fundo de maneio do chá das tias.

Por: António Godinho Gil

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