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“Brincadeira” acaba em morte na Borralheira

Homem de 42 anos amarrado e abandonado no centro da aldeia por um grupo de indivíduos, quatro dos quais já estão em prisão preventiva

Desde a madrugada de domingo que o futebol deixou de dominar as conversas dos habitantes da Borralheira, anexa da freguesia do Teixoso, na Covilhã. Nessa noite mudou muito mais do que os ponteiros dos relógios, que atrasaram uma hora. A pacata e pequena aldeia acordou sob os holofotes dos media após a descoberta de uma estranha “brincadeira” nocturna que resultou na morte de um homem. João Inácio, de 42 anos, foi descoberto amarrado.

Ouvidos durante quase 12 horas no Tribunal da Covilhã, na última segunda-feira, quatro indivíduos – dois deles com 17 anos, um de 22 e outro de 48 anos, natural de uma população vizinha, errante e com alegados problemas mentais – ficaram detidos em prisão preventiva. Pouco passava das 22h15 quando os arguidos saíram pelas traseiras do edifício. Apenas um dos advogados de defesa, Fernando Pinheiro, prestou declarações à dezena de jornalistas presentes, escusando-se, no entanto, a grandes comentários, alegando que o processo está em segredo de justiça. Os quatro suspeitos poderão agora ser acusados de homicídio simples. Contudo, Mário Bento, coordenador da PJ da Guarda, não descarta a hipótese de serem constituídos «novos arguidos» no processo, até porque ainda ficaram por ouvir três indivíduos, também identificados pela Judiciária, «cujas responsabilidades irão ser apuradas».

Poucas horas antes, na Borralheira, grande parte da população estava concentrada junto à casa mortuária, onde já se encontrava o corpo de João Inácio. Na mesma rua, porta com porta, e a poucos metros da capela, situam-se os únicos dois cafés da localidade. Desde domingo que “O Regional”, estabelecimento em cuja janela foi amarrada a vítima, não abre as portas. Mas mesmo em frente, no “Café Cunha”, concentravam-se perto de uma dezena de populares para, em silêncio, assistirem às notícias na televisão que davam conta dos contornos do macabro incidente. Ironia do destino, na vitrine onde são afixados os editais, e a que João Inácio também foi amarrado, já estava afixado o obituário a dar conta da sua morte.

Uma bebedeira «com contornos de malvadez»

Na noite de sábado, e segundo os relatos de vários moradores que não quiseram ser identificados, João Inácio deslocou-se ao “Café Cunha” para assistir ao jogo de futebol do Sporting. «Era um adepto ferrenho», garante um vizinho, acrescentando que até à hora de fecho do estabelecimento, pouco antes da meia-noite, a vítima não «tinha bebido mais do que duas cervejas». Mas a “festa” continuou depois n’ “O Regional”, que tem licença até às duas da manhã. Um grupo de indivíduos e a vítima continuaram a consumir bebidas alcoólicas noite dentro. O coordenador da PJ da Guarda, Mário Bento, confirma que quando as autoridades chegaram ao local, algumas horas mais tarde, ainda «eram visíveis sinais mais do que evidentes de um consumo excessivo de álcool».

Não se sabe de onde terá partido a bizarra ideia, mas fruto de uma bebedeira classificada, por um habitante, como tendo «contornos de malvadez», João Inácio acabou ser amarrado e posteriormente abandonado à sua sorte por volta das «duas e meia da manhã», tendo sido encontrado sem vida às 6h20. O alerta foi dado por uma sobrinha da vítima, que regressava a casa vinda do trabalho. Cátia Almeida, que não o via desde sexta-feira, apercebeu-se de imediato que se tratava do seu tio. «Tinha uma mão amarrada à vitrine de editais que existe na parede do café, uma perna atada ao gradeamento da janela do estabelecimento e os dois outros membros presos à roda de um Golf vermelho», descreve a jovem, que, de imediato, alertou o pai e as autoridades. A GNR da Covilhã tomou conta da ocorrência, mas o caso transitou rapidamente para a PJ da Guarda dados os contornos da situação. Vários moradores afirmam que este tipo de brincadeiras com a vítima «eram frequentes», sobretudo quando andava de bicicleta. Quem mora a poucos metros do local do crime afirma não ter dado conta de nada. «Ouvi uns gritos e uma barafunda, mas não prestei grande atenção, porque aos fins-de-semana é sempre uma rebaldaria até altas horas da madrugada», disse um vizinho do café.

Medo de represálias

Mas Cátia Almeida tem uma opinião bem diferente. «Claro que os vizinhos se aperceberam, mas devido à gravidade da situação ninguém se quis meter por medo de represálias», garante a jovem.

João Inácio tinha 42 anos, sofria de asma e é unanimamente descrito pela população como sendo um indivíduo «afável e normal», embora «bebesse um copito a mais». Mas mesmo nessas alturas «ninguém tinha razão de queixa dele», garantem os conterrâneos. A vítima, divorciado «há muitos anos», residia com os pais nos arredores da aldeia, no Bairro do Sarzedo, e estava desempregado há pouco mais de um ano, após ter trabalhado numa empresa de construção civil em Malpique, anexa de Caria. Na Borralheira, ninguém sabe explicar o sucedido, mas prevalece a opinião de que «tudo não terá passado de uma brincadeira que acabou em tragédia». Apesar de tudo, há também quem garanta que os jovens alegadamente envolvidos «há muito que eram causadores de distúrbios na localidade e quase todas as noites».

O corpo de João Inácio foi autopsiado nos serviços de Medicina Legal do Hospital Pêro da Covilhã ainda na segunda-feira. Fonte ligada ao processo, citada pela Agência Lusa, garantia que os exames não revelaram «sinais de agressão violenta» e que as autoridades terão pedido «exames complementares». Informações, contudo, não comentadas por Carlos Abreu, responsável pelo Gabinete de Medicina Legal daquele hospital. A representar os quatro indivíduos para já implicados no caso estão, para além de Fernando Pinheiro, Filipe Damasceno, Vítor Nabais – em representação do advogado Francisco Pimentel –, Emília Parente e Ângelo Matos.

Rosa Ramos

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