Mabília Diamantino é uma das poucas artesãs da Cova da Beira que insiste em manter a tradição dos Bordados da Gardunha. A castanha e a cereja, frutas características da região, servem-lhe de inspiração para trabalhar os panos, em tudo semelhantes aos “lenços dos namorados” do Norte do país. Panos de linho que reavivam a memória de quem se revê nas quadras populares que os enchem de significado, numa zona marcada hoje pela cereja, mas em tempos pela castanha.
Aos 41 anos e natural de Alcongosta, mas a viver desde os 17 no Fundão, a artesã decidiu, há cerca de sete anos, pôr “mãos à obra” e perpetuar uma arte que se está a extinguir. Começou a fazer uma recolha histórica sobre os Bordados da Gardunha com o marido: «Como se falava muito na cereja, pensámos que podia haver algo que eu pudesse desenvolver», explica. Da investigação surgiu um pano, «tipo toalha», que a sua avó usava para colocar em cima do cabaz quando ia para a Santa Luzia, a maior romaria da região, e que lhe serviu de modelo para outros. A partir daí foi recriando «entre muitos dizeres das quadras que as pessoas cantavam» nos trabalhos agrícolas e começou a passá-las para os 12 panos que possui hoje, alusivos apenas à castanha e à cereja. Esta exclusividade deve-se ao facto de, antigamente, as pessoas da zona viveram da castanha e não da fruta. «A castanha era o seu meio de sobrevivência», refere Mabília Diamantino, e só mais tarde, depois de grandes incêndios terem devastado a grande mancha de castanheiros, se viraram para a fruta que «lhes dava mais dinheiro, mas não era suficiente para viverem, pelo que a castanha continuava à mesa», frisa a artesã.
Filha de um cesteiro famoso, Mabília Diamantino começou a bordar «muito nova» com a avó e a mãe. Hoje, além de funcionária da Santa Casa da Misericórdia do Fundão e responsável pela valência de Centro de Dia de Aldeia de Joanes, também é formadora de várias artes. O seu objectivo é continuar a dinamizar o artesanato local e formar pessoas que possam integrar o seu sonho: constituir uma micro-empresa onde possa divulgar esta actividade, porque já não está a conseguir responder sozinha à procura. Há encomendas de todos os cantos do país, sobretudo depois da sua aparição num programa televisivo. Algo que deveria acontecer também no Fundão, onde não tem qualquer espaço próprio ou apoio para mostrar a sua e outras artes. «A primeira porta onde bati foi a da Câmara e ainda não tive qualquer ajuda», lamenta. Ainda assim, Mabília Diamantino faz a sua própria publicidade nas feiras da região, agradecendo apenas à Fundão Turismo o facto de a terem inserido no roteiro do concelho e de exporem os seus bordados no Posto de Turismo de Castelo Novo. Por outro lado, gostaria de ver as suas formandas inseridas, porque «é uma forma de mostrar que a Cova da Beira existe e com grande potencial», refere apontando a criação de um espaço onde convivessem a cestaria e o esparto de Alcongosta, o barro do Telhado, o linho de Janeiro, as mantas de Bogas.
Livro sobre bordados a caminho
Além dos Bordados da Gardunha, que as pessoas colocam em cima da mesa, emolduram, fazem almofadas e outras utilidades, Mabília Diamantino dedica-se também à criação de bolsas, peças de vestuário, chapéus, bonecas de ráfia, bonecas de trapos, garrafas, toalhas de mesa, cortinados e «tudo o que me pedem». A castanha e a cereja são a sua inspiração, que o marido desenha antes dela encher com os vários pontos antigos: pé de flor, ponto cheio, ponto de cadeia, ponto de passagem, ponto de fantasia e crochet, em volta do linho. O preço dos panos ronda os 25 e 50 euros, consoante o tamanho. Na manga está, para breve, a edição de um livro alusivo à Cova da Beira e aos bordados da Gardunha.
Rita Lopes