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Bichos, lixo e nichos

Saliências

Os bichos erguem-se nas feridas conspurcando-as, invadem a pele em torno da ferida infectando-a, criam úlceras rodeadas de fibrina que os protege num nicho intransponível. Os bichos formam estas cidades do lixo em que só eles sobrevivem e se protegem. Uma úlcera de uma perna pode ser um lugar de pensamento sobre os humanos não vos parece? Lembro-me de núcleos de pessoas que se divertem a mal dizer, a maltratar outros, criando um nicho de lixo que é presente nas nossas vidas, nos nossos jornais. Não se lhes conhece um pensamento, não se lhes conhece um princípio, uma virtude mental, mas eles consomem a pele, tentam invadir os tecidos sãos, tentam penetrar a carne limpa para aumentarem o esterco de que vivem. Há pessoas fechadas nestas úlceras que conspurcam. Podemos viver com a úlcera quarenta anos, mas gostamos mais de ter a perna limpa na cama, de não ter cheiro, de não ver o verdete que ela larga. As pessoas dos nichos, que sobrevivem na couraça protectora da fibrina que o lixo ajuda a construir, podiam chamar-se enterococcus, pseudomonas, ou mesmo stafilococcus, mas infelizmente são o Victor, o Tó, o Henry, a Paula, a Adelaide e outros seres que assim se tornam felizes. Uns carregam invejas incontidas, outros transportam rancor constante, e no seu nicho só funciona a dor, convertida em cinismo, a exsudação convertida em maldizer, e a comichão construída das palavras azedas com que nos brindam. A gente coça-se e pronto, o incómodo passa. Agora, as úlceras curam-se, e esse é o fim das pseudomonas. Compete às instituições tratar as feridas crónicas, limar os lugares de sobrevivência dos bichos, que depois eles incomodados vão buscar outros sítios.

Por: Diogo Cabrita

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