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Beira Interior: que futuro?

Na sequência da Cimeira da Terra (Rio de Janeiro – 1992) coloca-se o desenvolvimento sustentável na agenda política mundial e consequentemente as suas dimensões essenciais: o desenvolvimento económico, a coesão social e a protecção do ambiente.

Na Cimeira de Joanesburgo (2002) lançou-se o desafio de implementar, a nível mundial, estratégias nacionais de desenvolvimento sustentável (E.N.D.S.). A União Europeia aprova em 2001 a Estratégia Comunitária de Desenvolvimento Sustentável, donde decorre que os próximos programas a apresentar pelos Estados Membros, para concorrer a Fundos Estruturais, deverão ter o “desenvolvimento sustentável” como orientação central.

Em 2002, o Governo português deu início à definição de uma “Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável”, como forma de encontrar uma “nova dinâmica para o país”. Confirmava-se que a Portugal estava reservado um futuro difícil, um caminho árduo para conseguir a convergência económica com os pesos pesados da União Europeia.

Ainda assim, a E.N.D.S. portuguesa tomou como grande desígnio “Fazer de Portugal, no horizonte de 2015, um dos países mais competitivos da União Europeia, num quadro de qualidade ambiental e de coesão e responsabilidade social”. Para o conseguir organizou-se em torno de seis objectivos, um dos quais é a “Organização Equilibrada do Território que Valorize Portugal no Espaço Europeu e que Proporcione Qualidade de Vida”

Neste ponto, encontramos um enorme handicap. O modelo territorial português revela uma dinâmica demográfica com acentuadas diferenças no território, onde a Litoralização e a Urbanização constituem os processos fundamentais da ocupação humana. É disso consequência a metropolitização do litoral, donde decorre um Interior em risco de desertificação humana, exceptuando os corredores marcados pela rede rodoviária principal que intercepta as cidades médias. Neste processo fica claramente desfavorecido o mundo rural, pontuado por um número significativo de aldeias, que constitui a grande parte do território da Beira Interior.

Face a este cenário encontramos a Beira Interior no “fio da navalha”. Ou encontra já o seu lugar no futuro ou estará condenada a ser um território desertificado e esquecido por Portugal, pela Europa e pelo Mundo.

Analisando de forma realista o modelo territorial descrito, encontramos um subsistema urbano (cidades e territórios de proximidade), formado pela Guarda, Covilhã, Fundão e Castelo Branco, que é, pela sua natureza, propício ao estabelecimento de relações intermunicipais nacionais e transfronteiriças, única forma de ampliar os níveis de competitividade.

Para o efeito será necessário que os municípios encarem os “vizinhos” como parceiros estratégicos, sem os quais estará posta em causa qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, defendo a consolidação económica e social das cidades, partindo de um pressuposto de complementaridade, sem repetição de apostas de peso – uma plataforma logística de iniciativa empresarial, uma universidade, um hospital central, um aeroporto, uma grande sala de espectáculos, etc – sem prejuízo de assegurar valências complementares que assegurem os mínimos de autonomia, garantindo a qualidade de vida de todos os residentes deste sistema urbano.

O problema do “Interior profundo” ganha especial importância na medida em que não é defensável que as assimetrias a dissolver entre litoral e interior se espelhem a uma escala menor, entre o mundo rural e o urbano.

A verdade é que o mundo rural concentra valias alheias ao mundo urbano. Muitas das nossas aldeias reúnem um vastíssimo património arquitectónico, arqueológico, etnográfico…cultural que, se ignorado, constituirá uma perda irremediável da identidade cultural, causando desequilíbrios na memória colectiva. Por outro lado, nesse mesmo património, reúne-se grande parte do potencial turístico, e consequentemente económico, da Beira Interior.

Assim, defendo também que esse território alargado se transforme numa região de turismo de qualidade e com dimensão competitiva, suportada pela diversidade dos recursos patrimoniais, tendo uma rede de aldeias como espinha dorsal, a partir da qual se promove todo o potencial turístico da região. Significa que seria a partir dessa mesma rede, localmente reforçada com valências de equipamentos turísticos de alta qualidade, que se faria a promoção de todo o turismo da região, nas suas diversas componentes (cultural, desportivo, ambiental, etc.), contribuindo assim para uma distribuição equilibrada de pessoas e de bens e serviços transaccionáveis por todo o território da Beira Interior.

Há um papel a atribuir a cada sítio, apoiado nas suas particularidades. No entanto, a escala de cada um dos municípios deste sistema urbano depara-se com um problema incontornável, a sua reduzida dimensão estratégica, que é o principal entrave à competitividade.

A sustentabilidade de quaisquer medidas depende da criação de um instrumento que amplie essa dimensão. Esse instrumento adquire-se com o delinear de uma “Estratégia Regional de Desenvolvimento Sustentável”. Aos autarcas que vencerem as próximas eleições lanço o repto de, em conjunto e de forma séria, tentarem elaborá-la e implementá-la.

Por: Cláudia Quelhas

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