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Beijinhos 2008

observatório de ornitorrincos

Acabaram os Jogos Olímpicos. Continuam as insónias. Não é fácil habituar o corpo e a mente à ausência de desporto pela madrugada fora quando o sono não aparece. E o desporto serve para manter o corpo e a mente saudáveis, desde que se fique no sofá. É sempre possível ver filmes, ler livros ou participar em actividades mais lúbricas, assim a Netvisão não falhe durante a noite. Mas para combater as forçadas vigílias nocturnas nada se compara à final de badmington pares femininos ou ao halterofilismo, disciplina sexista disputada só por homens, embora divididos em duas categorias, M e F (tal como os lançamentos do peso, do disco e do martelo, aliás). Perdoem-me os leitores um pequeno aparte da memória, mas tenho quase a certeza que Aksana Miankova, o bielorusso campeão olímpico de martelo na categoria F, era porteiro de uma discoteca em Coimbra.

Os chineses ganharam quase todas as medalhas de ouro nas disciplinas tradicionais do país: a ginástica, o ténis de mesa e os saltos para a água. No tiro ganharam várias medalhas, mas nenhuma na disciplina com os alvos em movimento, uma vez que na China os alvos costumam ser espancados primeiro e vão para o estádio já bastante sossegados. É verdade que a China ganhou mais medalhas de ouro que todos os outros, mas é uma contabilidade bastante discutível. Por exemplo, na ginástica, contabiliza-se uma medalha por cada movimento. Há uma nota para chegar ao aparelho, uma nota por esfregar as mãos, uma nota por cada pirueta, uma nota por sair, ainda uma por chegar ao chão e finalmente mais uma pelo convívio com os juízes. Só na ginástica são atribuídas 736 medalhas (para os que se derem ao trabalho de fazer contas e verificar que 736 a dividir por 3 dá resto 1, fique a saber que foram atribuídas duas de bronze ex-aequo). Para ser justo, em todas as modalidades se devia fragmentar a atribuição de medalhas. No basquetebol masculino, por exemplo, os EUA somariam umas 32. No feminino, apenas 20. As outras 12 eram para a Austrália e podia ser eu a entregá-las.

Voltando à ginástica (parece-me que é a primeira vez na vida que uso esta expressão para me referir efectivamente à disciplina olímpica), houve grande polémica à volta das idades das chinesas. Mas isso é de gente pouco conhecedora da cultura chinesa. Da mesma forma que as mulheres enfaixavam os pés para ficarem pequenos, agora envolvem as raparigas em bandas gástricas, da cabeça aos pés, ali por volta dos 8 anos para ficarem suficientemente pequenas para caber naquelas fatiotas exíguas. Ninguém duvide que aquelas miúdas têm 16 anos. Algumas são mesmo mais velhas que as prostitutas de Banguecoque. Não se duvide da seriedade com que a China encarou estes Jogos. Não vejo o Comité Olímpico Chinês ter o descaramento de enganar os milhões de pessoas que viram o evento pela televisão. Parece que houve um playback em que uma menina bonita fingia cantar, mas quem é que não apreciava as Spice Girls? Dizem que uma parte do espectáculo era uma simulação de computador, não era real. Mas não é por isso que Sócrates vai perder as eleições. E as medalhas eram afinal bolachas Maria cobertas com creme de pasteleiro. Só assim se percebe a razão de todos os vencedores saírem do pódio a trincar as medalhas. De resto, só seriedade.

Finalmente uma palavra para os portugueses. Primeiro, as palavras devidas para Nelson Évora e Vanessa Fernandes: vocês são a nossa vergonha. Além de terem deixado ficar mal Vicente de Moura, que já tinha assumido o fracasso e teve de voltar com a palavra atrás, chegam estes dois meninos, um a saltar e a outra a nadar, a pedalar e a correr fazem de conta que para ganhar provas basta comer Nestum e ter saudades de casa. Se isso fosse verdade, metade da população universitária portuguesa estava preparadíssima para ser campeões olímpicos em 2012. Por outro lado talvez não, porque na verdade de manhã eles estão bem é na caminha.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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