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BCE resistiu à saída limpa

Banco Central Europeu tem muitas dúvidas sobre a situação de Portugal e diz que saída limpa é motivada por motivos políticos.

Felicitações para Portugal e auto-congratulação para a zona euro por mais uma saída «limpa» de um país que foi submetido a um programa de ajustamento. É esse o ambiente do Eurogrupo desta segunda-feira em Bruxelas. Mas o Banco Central Europeu (BCE) manifestou até ao fim as suas reservas por esta opção, por recear que a lógica do governo tenha sido ditada por considerações eminentemente políticas e por considerar que a vulnerabilidade do país a uma possível deterioração do contexto económico e financeiro, em particular ao nível dos mercados, é bastante elevada.

Uma nuvem com origem em Frankfurt que não foi suficiente para ensombrar a festa, mas que evidencia um dos dois grandes receios em relação a Portugal: a volatilidade dos mercados e o empenho político do governo em implementar um orçamento de rigor e as reformas com que se comprometeu.

As dúvidas do BCE foram manifestadas até ao último momento. O otimismo dos mercados em relação a Portugal é encarado com alguma desconfiança. De acordo com vários responsáveis europeus ouvidos pelo Expresso, a atual «exuberância» em relação a Portugal é vista como uma reação exagerada, da mesma forma que no passado recente os «medos» manifestados pelos investidores eram considerados como infundados. A palavra de ordem é «aproveitar» a atual situação, mas sem perder de vista que ela pode dar uma nova volta de 180 graus, sem que para tal haja uma explicação razoável.

Era como prevenção contra uma tal modificação que o BCE manteve a posição que sempre defendeu de ser mais prudente Portugal solicitar um programa cautelar. Posição semelhante teve a Comissão Europeia, que ainda no início de Abril repetia que «mais vale prevenir que remediar», embora ressalvando a evolução «positiva» da situação e sublinhando que apoiaria qualquer decisão que Lisboa acabasse por tomar. Mas tal como em relação à Irlanda (em que tanto Bruxelas como o BCE defenderam o programa cautelar), o executivo europeu diz agora que «apoia a decisão soberana» de Portugal. Ainda assim, nas previsões económicas de Primavera, divulgadas segunda-feira de manhã, Bruxelas identifica o comportamento «volátil» dos mercados como um dos principais riscos.

De acordo com um responsável do Eurogrupo ouvido pelo Expresso, a atual situação nos mercados foi «o fator determinante» na decisão do governo. Mas segundo a mesma fonte a questão «crucial» prende-se com o empenho do atual governo ou do que lhe suceda em garantir a implementação de orçamentos difíceis e reformas polémicas.

«O compromisso político é o maior risco para todos nós, é difícil fazer avançar modernizações e mudanças nas nossas economias, estas são sempre decisões difíceis, mas para Portugal isso é crucial», afirmou o presidente do Eurogrupo à entrada para a reunião dos ministros das finanças, em Bruxelas. Jeroen Dijsselbloem defende que Portugal deve «manter a confiança» que agora tem dos mercados, mas isso «exige mais passos e compromissos do governo».

«A questão é saber se esse compromisso se manterá sem a pressão da Troika», diz outra fonte europeia que, no entanto, deposita a sua confiança nos mecanismos de controlo da zona euro e não só: «podemos sempre contar com uma reação dos mercados, caso um governo comece a fazer disparates».

O fim da austeridade é, neste contexto, um conceito relativo: «os tempos da austeridade muito rígida já estão para trás, mas isso não significa que se possa começar a gastar dinheiro se não se faz dinheiro. Manter o orçamento sob controlo é uma responsabilidade permanente para todos os nossos países», clarificou Dijsselbloem.

A decisão do governo português representou um alívio para a generalidade dos países da zona euro. Se Bruxelas e o BCE defendiam um cautelar, outros países empurraram Portugal para uma saída limpa. Embora garantindo que apoiariam qualquer decisão do governo, Alemanha, Finlândia e Holanda nunca esconderam as dificuldades que a ativação de um programa cautelar representaria. Dificuldades políticas nos respetivos debates nacionais que não se deixariam de traduzir em dificuldades acrescidas para Portugal nas condições que seriam exigidas para aceder a um programa cautelar.

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