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Barbeiro

observatório de ornitorrincos

Durante vários séculos a barbearia foi o centro nevrálgico das vilas e aldeias. Ali se juntavam os homens da terra, à volta de uma cadeira e de um homem com uma navalha na mão. As conversas quotidianas sobre o meio envolvente geravam fluxos de informação determinantes para a conquista ou manutenção do poder. Eis aqui, de forma simples, uma explicação para a ausência das mulheres da vida pública. Não porque fossem mais incapazes ou menos interessadas, mas apenas porque não tinham barba para cortar, logo ficavam arredadas do verdadeiro centro de decisão. Também podemos colocar a hipótese de os homens serem mesquinhos ao ponto de só conversar sobre determinados assuntos em locais onde as mulheres normalmente não gostam de entrar (barbearias, balneários desportivos e a minha casa).

Para ser barbeiro a qualidade mais importante é a capacidade de falar horas a fio, uma vez que o cliente a ser atendido não pode responder nem mexer muito os músculos da cara. Ninguém arrisca uma opinião quando alguém tem uma navalha perto do nosso pescoço. Um barbeiro adquire assim o hábito profissional de responder às suas próprias perguntas. Entretanto vai trocando informações e opiniões com os clientes em lista de espera. Um barbeiro é uma espécie de taxista que nos amacia a cara e não nos leva ao aeroporto. Exige-se assim um acompanhamento diário das notícias para poder comentar todos os assuntos possíveis. E numa barbearia não devem faltar os jornais, principalmente um da imprensa popular e um desportivo. Quem chega mal informado, tem o tempo de espera até à sua vez para se pôr a par e poder acenar enquanto o barbeiro faz a barba e ripa o cabelo.

O acesso à profissão de barbeiro, para desgosto deste Governo, não está dependente da obtenção de nenhuma licenciatura nem da habilidade para cortar o cabelo (quem se preocupa com isso vai a cabeleireiros), mas é um caminho que tem as suas dificuldades. Tal como algumas mulheres vão a uma esteticista porque umas sabem o que as outras gostam, os homens vão ao barbeiro porque este sabe o que eles não gostam. E nós não gostamos de ser acariciados nem ceifados por alguém que tem uma lâmina na mão à altura dos nossos olhos. Barbear outrem implica um equilíbrio complicado entre a suavidade (nada de mariquices) e a virilidade (dispensamos os lanhos na cara).

Por tudo isto, os barbeiros foram escolhidos para serem a expressão popular do conhecido paradoxo de Russell sobre o conjunto das entidades que não são membros de si próprias. A versão comum versa assim: Há um barbeiro que reúne as duas condições seguintes: 1- Faz a barba a todas as pessoas de Sevilha que não fazem a barba a si próprias. 2- Só faz a barba a quem não faz a barba a si próprio. A questão do paradoxo é saber se o barbeiro faz a barba a si próprio. Compreendo que a pergunta é interessante, mas o que me importa realmente saber é se o barbeiro também faz a barba a tipos que não têm paciência para pegar numa Gilette. E se tem o desportivo de hoje.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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