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Atracção fatal

Ciclo aborda na Guarda as afinidades entre a literatura e o cinema

Há filmes maus baseados em livros bons e filmes de culto realizados a partir de livros sofríveis. Um paradoxo que o ciclo promovido pela Mediateca VIII Centenário da Guarda e a biblioteca municipal vai tentar esclarecer durante o mês de Março com o ciclo “Do Livro para o Filme: Afinidades entre Literatura e Cinema”. Uma iniciativa que inclui uma exposição, sessões de cinema, projecções comentadas, palestras e um debate final para apurar as simbioses possíveis entre estas duas expressões artísticas distintas, mas tão próximas.

«Ao longo dos mais de cem anos de história, o cinema socorreu-se de obras literárias para construir uma linguagem narrativa e estética própria. É essa relação histórica que pretendemos promover», explica Victor Afonso, coordenador da Mediateca, adiantando ter sido «muito difícil» seleccionar os filmes a exibir no ciclo dada a diversidade e a quantidade de películas baseadas em livros. Optou-se então por critérios de qualidade «cinematográfica e literária» das obras que serviram de base aos argumentos, bem como da diversidade histórica e estética do cinema, para garantir filmes «representativos de várias épocas históricas do cinema, do período pós-mudo ao contemporâneo, e de vários géneros cinematográficos, como terror, “thriller”, expressionista, drama, etc…», refere. Já as conferências pretendem proporcionar contributos «multifacetados» em torno da relação escrita-imagem graças a convidados oriundos de várias áreas temáticas à literatura e/ou ao cinema, caso de António Pedro Vasconcelos, Clara Ferreira Alves, Vasco Câmara, Fernando Lopes, António José Dias de Almeida e Fernando Marques. O ciclo arrancou ontem com a exposição “O Cinema Escrito”, patente na biblioteca municipal até ao final do mês, prossegue esta noite no auditório do Paço da Cultura com a conferência do realizador António-Pedro Vasconcelos sobre “Escrever para Cinema”.

Sessões comentadas

Da teoria à prática, está programado para segunda-feira o filme “O Processo” (1963), de Orson Welles, em exibição na Mediateca VIII Centenário. Uma adaptação tão subtil quanto esmagadora do romance homónimo de Franz Kafka. Três dias depois o mesmo espaço acolhe “Psicopata Americano” (2000), de Marry Harron. Baseado no livro de Brett Easton Ellis, é uma visão impiedosa e negra do estilo de vida americano no auge dos “yuppies”, onde grassa o vazio de referências, de valores morais e sociais, a partir de uma mente assassina que mata sem motivos aparentes. A 15 de Março será exibida uma das primeiras versões cinematográficas da obra de Bram Stocker, “Dracula”. Realizado nos anos 30 por Tod Browning, o filme é considerado a melhor adaptação de sempre do clássico da literatura gótica e tem Bela Lugosi, o mais emblemático actor de terror de todos os tempos, no papel do conde Drácula.

Três exemplos em que o cinema aproveita de forma brilhante a literatura e que antecedem as sessões comentadas, inauguradas dia 17 por António José Dias de Almeida a propósito de “Uma Abelha na Chuva” (1972). Trata-se da leitura cinematográfica do realizador português Fernando Lopes do romance de Carlos de Oliveira, num filme que encena de forma admirável um Portugal rural desencantado, sombrio e enclausurado, no final da década de 60, e que um crime brutal vem abalar. No final da projecção, haverá uma conversa informal à volta do filme e do livro. Cinco dias depois o professor Fernando Marques fala sobre “Macbeth”, tanto na versão de Shakespeare como na realizada em 1947 por Orson Welles. O mesmo especialista comenta dia 25 “O Festim Nu” (1991), de David Cronemberg, baseado em “Naked Lunch”, de William S. Burroughs, um dos mentores da “beat generation”. No dia seguinte fecha-se o ciclo com a conferência “Cinema e Literatura: As Simbioses Possíveis. O objectivo é debater e reflectir as relações mútuas entre a literatura e o cinema, nas suas distintas perspectivas e pontos de vista. Clara Ferreira Alves (jornalista do “Expresso” e escritora), Fernando Lopes (realizador) e Vasco Câmara (crítico de cinema do “Público”) são os convidados.

Luis Martins

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