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Assis ou Seguro: o erro ou o intervalo

O PS prepara a sucessão de José Sócrates. Depois de seis anos no poder, com muitos lugares para distribuir, sempre – em todos os partidos – mais acessíveis a quem prescinda do seu sentido critico, reaprender o debate exige uma fisioterapia política sempre dolorosa. Depois de alguns anos com um secretário-geral ideologicamente vazio e com um estilo de liderança autocrático não é fácil encontrar o seu caminho. Amarrado a um memorando trágico para Portugal e em tudo contrário aos valores fundamentais da esquerda, não será fácil, para o PS, resolver a sua profunda crise de identidade – que, sendo justo, não lhe é exclusiva.

Neste momento, há dois candidatos à liderança.

Francisco Assis é um homem que, não galvanizando, está preparado para os serviços mínimos. Garantir um bloco central informal, deixar passar tudo, fazer de pequenas questões simbólicas cavalo de batalha e esperar que o PSD se estampe para lhe suceder na mesma tarefa. Assis tem um posicionamento ideológico claro: a terceira via que enterrou as social-democracias europeias por muitos e bons anos. Ninguém pode dizer que não sabe o que quer. Mas o que quer apenas aprofundará a crise de representação à esquerda.

António José Seguro é um homem que, não galvanizando, está preparado para surfar na indefinição absoluta. Garantir um bloco central informal, deixar passar tudo, fazer de coisas um pouco maiores cavalo de batalha e esperar que o PSD se estampe para suceder não se sabe bem para quê. Ninguém sabe o que Seguro pensa. Representa o mesmo vazio que enterrou o País por muitos e bons anos. Desde que nunca chegasse ao poder, seria um bom intervalo para o PS procurar uma alternativa um pouco melhor.

Entre um e o outro, se me perguntassem a mim, que nada tenho a ver com o assunto, escolheria o segundo. Porque quanto pior melhor? Pelo contrário. Porque, num momento em que a esquerda terá de encontrar novos caminhos para a defesa do Estado Social, mais vale um intervalo do que uma escolha errada. Porque Assis pode formatar o partido às suas convicções. E as suas convicções levam o PS para um beco sem saída. Porque Seguro adia o erro e permite que o PS se dedique a uma reflexão difícil antes de fazer um disparate de que se arrependerá por muitos anos.

Às vezes é preciso parar para pensar. E Seguro será esse compasso de espera.

O Pedro num baile de debutantes em Bruxelas

Parece que a elite política europeia ficou indignada com a falta de convicção do novo ministro das finanças grego no programa medidas que a Europa tem imposto ao seu país. O que é extraordinário. Como pode o senhor Evangelos Venizelos ter dúvidas sobre um programa com tantas provas dadas na sua eficácia? Não é que agora há ministros nos países “mal comportados” que acham que estão no lugar para pensar? A União Europeia devia fazer já uma nova remodelação governamental na sua delegação em Atenas.

Pelo contrário, Pedro Passos Coelho, apresentado pelo saudoso e competente Durão Barroso à elite política europeia, causou excelente impressão no baile de debutantes em Bruxelas. Nos vários jornais portugueses os colunistas sociais em que se transformaram os correspondentes na capital belga contavam, embevecidos, da simpatia com que o novo primeiro-ministro foi recebido pela senhora Merkel, o senhor Sarkozy e demais correlegionários do PPE. E como Barroso o apresentava a pessoas bem relacionadas. E como sorriam todos. E como ele sabia estar. E como contrastou com os gregos, maltrapilhos e indisciplinados, que não sabem qual é o seu lugar. Passos Coelho, ao contrário do senhor Evangelos, acredita nos efeitos redentores da austeridade. Acredita de tal forma que prometeu, para gáudio da assistência, aumentar a dose. Lindo menino.

De “bom aluno europeu”, que destruiu toda a sua capacidade produtiva para seguir as diretivas comunitárias e que aceitou sem contestar regras de uma moeda única pensadas para a economia alemã, a “obediente aluno europeu”, que aumentou o investimento, no princípio desta crise, quando recebeu ordens para o fazer, passámos a “cábula arrependido”, que se roja no chão à espera de uma festa na cabeça. Talvez fosse altura de deixarmos de nos comportar como “aluno” e sermos uma parte na construção europeia. Talvez começando por nos sentarmos com os renegados gregos e irlandeses para termos uma estratégia coordenada. Mas para isso teríamos de abandonar este complexo de inferioridade que já faz parte da nossa identidade nacional.

Estamos mais próximos da bancarrota e pagamos mais por o que pedimos, mas a semana de Passos Coelho foi excelente e a sua viagem em económica a Bruxelas não podia ter corrido melhor. Agradou à mais incompetente das elites políticas que a Europa conheceu nas últimas décadas. Os homens e mulheres que ficarão na história por ter afundado o projeto político e económico europeu gostaram da docilidade do rapaz. E a província festeja a boa imagem que o miúdo causou entre os senhores importantes de Bruxelas. Porque Passos acredita naquilo em que já ninguém acredita. Porque Passos não vê o nosso futuro em Atenas. Porque Passos têm a agenda ideológica que está na moda. E se os outros gostarem de nós, correrá tudo pelo melhor.

Parece que ainda ninguém percebeu porque falhámos na Europa: porque nunca achámos que éramos europeus. Porque vivemos de mão estendida, sem ideias nossas e vontade de fazer valer os nossos interesses. Porque nunca deixámos de ser alunos. Até ser tarde demais para nos darmos ao respeito. Não, o problemas não é de Passos, que ainda nem aqueceu o lugar. O problema é mesmo nosso. Se somos subserviente, os nossos governantes também o serão. Mas é mesmo assim que as coisas são: manda quem pode, obedece quem deve. Não é?

Por: Daniel Oliveira

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