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“Aquilo” regressa à terra

Documentário sobre o Feital e música tradicional são as novas propostas do grupo guardenses

O “Aquilo Teatro” regressa à terra na próxima semana com duas propostas de cariz etnográfico e raiz tradicional. Uma jornada dupla com paragens no Feital, graças a um filme de Maria Lino, a exibir quarta-feira na Mediateca VIII Centenário, e um concerto do novíssimo “Chuchurumel”, um duo formado por César Prata e Julieta Silva, que propõe “Canções de Todo o Ano” no dia seguinte no palco do auditório municipal da Guarda. «É um contributo para que a identidade de raiz tradicional não desapareça», garante Victor Amaral, presidente do grupo guardense.

Tudo começa na tela com “Maria e o Pai”, um filme inédito «autobiográfico e documental» de Maria Lino, realizado em 1982, no âmbito de uma bolsa do pelouro da Cultura da região de Hamburgo, onde viveu vários anos. O resultado, exibido um ano depois na Casa do Povo e na Cinemateca, é o retrato em 16mm de uma época da pequena localidade, dos seus habitantes, feitos actores do seu quotidiano – «ninguém olha para a câmara», nota -, bem como dos usos e costumes da comunidade, tendo o pai de Maria Lino como guia. «O que se vê já é histórico», garante a autora, escultora, pintora e responsável pelo atelier “Temos Tempo” radicado no Feital, sua terra natal, desde meados dos anos 90. Tanto assim que a aldeia de hoje transfigurou-se radicalmente: «Há mais casas, menos crianças, pessoas e cantigas no Feital. Entretanto já faleceu uma dúzia de personagens», nota. A música é um elemento fundamental em “Maria e o Pai” e está presente em muitas cenas, caso dos cantos da malha e do regresso da segada e uma canção de ceguinho, entre outras. Músicas das quais os “Chuchurumel” aproveitaram duas canções para o repertório do concerto “Canções de Todo o Ano”.

Um espectáculo que tem lugar no dia 15 e revela aquela que era a banda sonora de uma comunidade rural da região. São temas tradicionais que ritmaram festas, acontecimentos ou o trabalho da terra e assinalaram as quatro estações. «Remete para um tempo em que as pessoas tinham que construir o seu próprio divertimento. É também um tempo sem instrumentos, porque eram caros, e usavam-se as coisas que estavam mais acessíveis, como o corpo, palmas, pedras e paus», refere César Prata, um dos intérpretes, acrescentando que esta lógica irá manter-se. O concerto é composto por lendas, quadras populares, lengalengas, rezas, provérbios e textos, mas desenvolve-se segundo a lógica do ano. Inicia-se com uma canção de Janeiras e termina com uma outra de Reis, até lá há tempo para revisitar o Entrudo, a Primavera, a encomendação das almas e alvíssaras, canções de trabalho (sacha, ceifa, malhas, linho, etc…), os santos populares, o baile, o aboio e a apanha da azeitona, mas também uma canção do peditório da matança do porco. Menos significado terá o nome do duo, já que “Chuchurumel” vem da lengalenga “A Chave do Castelo de Chuchurumel”, uma canção encadeada. Para Julieta Silva, natural de Trancoso e «autêntica aparição neste desafio», considera o músico, estas canções não precisam de «adornos porque são muito fortes só por si» e até mesmo o palco «não é o sei habitat natural». Uma análise subscrita por César Prata, autor da concepção e arranjos, para quem este espectáculo tem um carácter «didáctico e pedagógico» e nasceu de uma pesquisa na recolha de Alberto Giacometti, do espólio da editora “Sons da Terra” e de Maria Lino.

Luis Martins

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